26 jun, 2019 - 09:00 • Inês Rocha
O cantor lisboeta Diego El Gavi planeava lançar o seu primeiro disco a solo, “Puerta del Alma”, no início de 2019, mas um vírus no computador do técnico que o gravou destruiu-lhe os sonhos: em minutos, perdeu meses de gravações.
“Fiquei dececionado. Andámos meses a gravar. Como é um projeto que envolve muita gente, músicos que tocam noutros projetos, nem sempre há tempo para pôr todos no mesmo dia”.
Com todo o trabalho perdido, acabou por ter a ajuda preciosa de Ricardo Lopes, produtor e criador das Lisbon Living Room Sessions, que Diego inaugurou em 2014.
O álbum foi todo regravado, com um condimento extra: três convidados de “luxo”, que aceitaram o convite do cantor de flamenco para participar. O fadista Ricardo Ribeiro, Paulo de Carvalho e Tatanka, vocalista dos Black Mamba.
“Há males que vêm por bem”, diz o músico à Renascença.
"Puerta del Alma" é apresentado esta quinta-feira no Teatro S. Luiz, com a presença dos três músicos convidados.
Diego El Gavi nasceu em Lisboa mas emigrou para Espanha com a família, onde viveu mais de 15 anos. Foi lá, através da convivência com espanhóis, ciganos e não só, que se apaixonou pelo flamenco.
O facto de fazer parte da comunidade cigana confere-lhe uma maneira particular de o cantar – mas Diego não concorda com aqueles que dizem que o flamenco é dos ciganos.
“O flamenco é de toda a gente. Os ciganos têm uma forma diferente de o interpretar, devido ao sofrimento, à vivência que tivemos. Mas o flamenco é património mundial, é de todos”, afirma o cantor.
Nesta “porta para a sua alma”, o músico junta estilos muito diversos. “Para mim este é um disco de world music, não de flamenco. O flamenco que lá está é a minha voz. Depois há o trompete jazzístico do Ricardo Pinto, o piano cubano do Vítor Zamora, a guitarra de Paulo Croft, que vem do reggae e do pop português”, explica o cantor.
"Compadre, não sei cantar flamenco", disse Ricardo Ribeiro
Com os convidados, Diego diz ter sido ele a adaptar-se aos seus estilos. “É muito mais fácil eu, como cantor cigano português, adaptar-me ao estilo deles, do que eles fazerem flamenco. O flamenco ou se tem ou não se tem. Eu como português ouço fado, música pop portuguesa, e portanto consigo adaptar-me”, diz o músico.
O músico conta que, antes de gravar a canção, Ricardo Ribeiro lhe disse: "compadre, eu não sei cantar flamenco". Respondeu: "compadre, não é preciso”.
“Quando ele entrou para gravar, eu estava cá fora e comecei a lagrimar. Ele é de uma intensidade... é impossível não se gostar. Além de ser uma pessoa extraordinária! A forma como abordou o tema, de fado com mestiçagem de quartos de tom... eu disse ‘não precisa de fazer mais nada. Arrepiou-me todo’”, conta.
Com Paulo de Carvalho, gravou um tema que o músico fez em 2004 para os ciganos, “Calé”, cujo nome mudou para “Calon”. Com Tatanka, aventurou-se no soul e no pop.
“Eu conheci o Tatanka em Sintra. Estava a ensaiar e ele estava a gravar para os Black Mamba. Ele entrou-me pelo estúdio dentro e disse ‘mas quem é que está a cantar?’”
O vocalista dos Black Mamba pediu-lhe logo que gravasse um tema, sem chegar a ensaiar. "Tu chegas lá e largas o teu rasgo", disse-lhe.
Acedeu e gravou em apenas um take. Depois, pediu-lhe que participasse também no seu álbum.
“Os ciganos não são todos maus”
O músico diz ter orgulho em ser cigano e também em ser português. Diz mesmo sentir a responsabilidade de “limpar a imagem” que a sociedade tem das pessoas da sua etnia.
“Às vezes as televisões mostram muito o lado mau do cigano. Convidei para a apresentação do álbum alguns casais de etnia cigana, para as pessoas perceberem que os ciganos não são todos maus. Maus há em todos os credos e todas as raças. Não vou pela cor ou pela etnia. Se a pessoa é boa, para mim não me interessa a cor”, afirma Diego.
“Nós também conseguimos valorizar Portugal. Eu sou português, é isso que está no meu Cartão de Cidadão. Tenho orgulho em ser português”, diz.
O convite de Madonna
No ano passado, em Agosto, Diego El Gavi foi um dos artistas convidados da festa de aniversário de Madonna, quando celebrou 60 anos num luxuoso hotel em Marraquexe.
A norte-americana conheceu-o numa festa em Lisboa e “engraçou com o flamenco”. Convidou-o, logo em 2017, para tocar na passagem de ano em sua casa, mas não pôde aceder ao convite.
Ainda assim, o convite repetiu-se. Desde aí, a artista “levou-lhe o percussionista”.
Carlos Mil Homens vai participar na digressão mundial da artista que arranca em setembro, nos Estados Unidos.
“Fico triste por ficar sem ele durante oito meses, mas é uma excelente oportunidade para ele”, diz Diego El Gavi.