02 dez, 2019 - 06:58 • Inês Rocha
Sábado à tarde nos Carvalhos, Vila Nova de Gaia. Pedro Couto, 44 anos, está no café a beber uma cerveja com os amigos. É um dos seus passatempos preferidos. No resto do dia, cuida dos pais e da casa. Cozinha, lava a roupa, limpa a casa, leva a mãe ao hospital quando é necessário.
Pedro tem paralisia cerebral. A doença afeta-lhe a fala e a parte motora, em particular o braço e a perna esquerda. Ainda assim, em casa, é ele o cuidador.
“O Pedro é um exemplo a seguir”, diz Altino Torres, um dos amigos. “Aparentemente é uma pessoa que precisa de auxílio, mas na prática é um auxiliador. De um momento para o outro, abdicou do trabalho para ser uma pedra angular na família.”
“No fundo comporta-se melhor do que muitos que não têm impeditivo nenhum dessa natureza”, afirma.
Apesar dos problemas que tem, Pedro não se considera deficiente.
“Para mim, sou uma pessoa normal. Nasci assim, não conheci outra maneira. Vivo muito bem com isso. Do meu ponto de vista, é mais fácil ser deficiente a vida toda. As pessoas que têm um acidente têm duas realidades, dá para fazer comparações entre a vida antes e depois”, diz à Renascença.
Pedro nem sempre esteve em casa a tempo inteiro. Até ao ano passado, era comercial numa empresa que vende produtos em pele, a Deficiprodut, que emprega maioritariamente pessoas com deficiência. E apesar dos problemas de fala, o gaiense especializou-se no contacto com o público.
“É a minha paixão”, diz com um sorriso. “Andava pelo país todo. Nas primeiras vezes foi difícil, mas depois as pessoas conheciam-me e já não havia problema nenhum. Foi muito bom e ajudou-me muito. As pessoas sentavam-se, tinham paciência. Se não entendiam à primeira, entendiam à segunda.”
Questionado sobre se encontrou algumas barreiras neste trabalho, Pedro responde prontamente: “Eu abria portas. Quando há barreiras, eu abro portas.”
“Decidi parar para apoiar a minha mãe”
Recentemente, Pedro decidiu deixar de trabalhar. “A minha mãe, infelizmente, teve de ser operada a uma rótula do joelho e não correu muito bem, ficou numa cadeira de rodas”, partilha. “Decidi parar para apoiá-la, porque sou assim. O meu pai tem problemas de coração, mas ainda trabalha.”
Pedro adorava trabalhar, mas a família falou mais alto. “Não estou triste, porque foi uma opção.”
Não foi para retribuir todas as horas que a mãe lhe dedicou. “É a minha mãe, ponto final. Não é por eles terem feito muito por mim. É porque eu quero, porque eu sinto. Não é uma maneira de pagar”, garante.
Hoje faz tudo em casa. “Vou fazendo o que for preciso. Se é preciso cozinhar, cozinho. Gosto muito de cozinhar. Se é preciso passar a ferro, passo. Se é preciso pôr uma máquina de roupa a lavar, ponho. Levo a minha mãe ao hospital. São as coisas do dia-a-dia. Não tenho empregada, não quero.”
Em termos financeiros, a escolha não foi fácil. “O pior foi para mim. Eu ganhava bem e agora tenho só a minha pensãozita. Mas também sou poupado. Não me importo”, diz à Renascença.
A pensão a que Pedro tem direito é de apenas 278 euros por mês. Não depende dela para viver. Valem-lhe algumas poupanças que foi acumulando.
“Quem é que sobrevive com 278 euros? Só se for para o meio da ponte. O que me valeu foi o meu trabalho.”
Pedro ainda tem esperanças de voltar a trabalhar, até porque o anterior patrão lhe deixou a porta aberta. “Gostava de voltar a trabalhar e continuar a minha vida. Ainda sou novo, tenho muito tempo.”
Entretanto, vive uma vida poupada. “Nunca quis nada de especial, gosto de ter o meu carrinho, gosto de ter o meu dinheiro para ir comer fora, de resto sou uma pessoa normal, não gosto de grandes luxos.”
“A pessoa deficiente pode ter sonhos”
No Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, que se comemora anualmente a 3 de dezembro, Pedro Couto deixa um conselho a todos os que, como ele, são portadores de deficiências físicas: “O mais importante é ter um objetivo e lutar por ele”, garante.
“É importante encontrar uma pessoa para amar e viver um dia de cada vez. Se não é por uma pessoa é pelo trabalho, é ter um objetivo. Nem que seja tomar banho para ir tomar um café.”
Para isso, é necessário ser independente. “É preciso fazer alguma coisa, é preciso trabalhar. Não é andar a pedir ao papá ou à mamã.”
Para Pedro, as coisas já começam a mudar no que diz respeito à forma como a sociedade encara as pessoas com deficiência. “Antigamente eras deficiente, tinhas o almoço, o jantar, uma televisão. Para um deficiente, já era uma vida boa. Antigamente via muito esse estigma. És deficiente, estás em casinha, não fazes nada.”
Pedro encara a vida de forma diferente. “A pessoa deficiente pode ter sonhos, projetos muito altos. Para isso é preciso ter dinheiro para esses projetos. Não basta dar um pouquinho de comida.”
Um dos maiores problemas que as pessoas com deficiência enfrentam é o acesso ao emprego. Em fevereiro deste ano, foram introduzidas quotas para estas pessoas nas empresas públicas e privadas de média e grande dimensão, que têm agora de contratar entre 1% a 2% de trabalhadores com incapacidade.
Um estudo recente do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) mostra que, entre a população deficiente, o desemprego aumentou 24% entre 2011 e 2017, em contraciclo com a restante população nacional.
Pedro gosta de juntar pessoas. "Tem um coração enorme", dizem amigos
Na terra onde vive, Pedro é muito acarinhado. Há mesmo quem lembre que foi ele que criou um grupo no Facebook para juntar todos os que são dali e trabalham fora.
Em junho, fizeram o primeiro convívio. Conseguiu juntar cerca de 60 pessoas. Já estão a organizar o próximo, um jantar de Natal.
“Ele tem um coração enorme, quem conversar com ele vê que é uma pessoa muito humana”, diz o amigo Óscar Guimarães. “Dá-se bem com toda a gente, todos gostam dele”, concorda Pedro Fonseca, dono do café onde o grupo de amigos se encontra regularmente.
Entre os amigos de Pedro não há dúvidas: “Dizem que ele tem limitação mas para mim não tem limitação nenhuma”, garante Bruno Gomes, com quem trabalhou vários anos. “Às vezes não consigo ter a força que ele tem.”