14 dez, 2019 - 15:01 • Sérgio Costa
"End low pay". Não é, mas seria um título ajustado a uma qualquer canção de "London Calling". O slogan, das sucessivas greves do inverno britânico 78/79, expressava o descontentamento da classe trabalhadora com a austeridade imposta após um humilhante resgate financeiro pedido pelo governo trabalhista de James Callaghan.
O desemprego ultrapassava a insustentável marca de 1 milhão de pessoas - o mais elevado do pós guerra - o número de trabalhadores sindicalizados ascendia aos 50% e os protestos não tinham fim. Cumpria-se, assim, a profecia punk "no future" lançada pelos Sex Pistols, naquele que ficou conhecido como o inverno do descontentamento.
Estava assim criado o cenário propício a uma mudança política e a uma inevitável explosão criativa tão característica de momentos de repressão ou crise.
Margareth Thatcher subia ao poder para aplicar amplas reformas vincadas por um robusto plano de privatizações e uma agressiva repressão anti-sindical. Políticas que, mais tarde, conduziram o desemprego a uma impensável marca de 12%.
Ao mesmo tempo, estava reservado aos The Clash o papel de agitador de consciências. A banda liderada por um rebelde filho de diplomata (Joe Strummer), sensível às questões sociais, e por um arruaceiro profissional (Mick Jones), traduziria essa consciente agressividade num dos mais relevantes discos da música contemporânea.
"London Calling" é um disco politizado, uma cacetada no sistema que encheu de entusiasmo quem via fugir direitos e qualidade de vida. Com "London Calling", os Clash descrevem um mundo alegadamente viciado pela corrupção, um mundo injusto, onde, por isso, rapazes e raparigas teriam forçosamente de sair às ruas " come out of the cupboard, you boys and girls" .
O tema que dá título à obra é também, 40 anos antes do fenómeno Greta Thunberg, um grito de consciência ambiental. "The ice age is coming, the sun is zooming in/Meltdown expected, the wheat is growin' thin", é um alerta para os perigos do nuclear.
No entanto, "London Calling" não se resume a um grito de luta. Ironicamente, é o disco que arrefece o punk, então um movimento quase resumido à estética e de reduzido conteúdo ideológico. O álbum espelha a ambição experimentalista da banda, arriscando a entrada nos universos ska e pop ("Train in Vain", um dos temas preferidos de Strummer, entra facilmente numa lista das melhores canções de sempre), naquele que foi um passo de globalização sonora.
40 anos depois, o Reino Unido volta a expressar o sentimento isolacionista e, ironia ou não, a classe trabalhadora dá uma expressiva maioria ao partido conservador (antes de Thatcher, agora de Boris Johnson) acreditando que o fim da ligação à União Europeia será a solução para os problemas do seu dia a dia.
Se ainda por cá estivesse, certamente Joe Strummer tentaria encontrar as razões pelas quais o grito de revolta está agora do outro lado.