22 jan, 2020 - 18:30 • Lusa
A associação Ephemera vai ceder ao Museu Nacional da Resistência e da Liberdade vários materiais do arquivo de José Pacheco Pereira, por períodos renováveis de cinco anos, estabelece um protocolo assinado esta quarta-feira com a DGPC, na Marmeleira, Rio Maior.
O historiador e político José Pacheco Pereira disse à agência Lusa que o protocolo com a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) formaliza a cedência de parte do espólio – “menos de 0,1%” - que foi reunindo ao longo das últimas décadas, dentro do objetivo de “garantir a defesa da memória”, em particular, da que está em risco.
“A memória da resistência é uma memória sempre em risco, porque em muitos casos era feita por atos individuais, ações escondidas, publicações disfarçadas e com muito mais dificuldade de se arranjar e se mostrar do que as publicações de quem tinha o poder, neste caso o Estado Novo”, disse, no final de uma visita por várias das muitas salas da casa da Marmeleira que acolhem objetos e documentos do arquivo.
O material abrangido pelo protocolo que assinou hoje com a diretora-geral do Património Cultural, Paula Silva, “será agora estudado em função da museologia, da forma como vai ser organizado, da narrativa interior do museu, que tem diferentes fases e diferentes períodos, e depois ficará depositado em Peniche”.
Pacheco Pereira afirmou que há já “uma ideia do conjunto de papeis, objetos, documentos, imagens” que irão para o museu, “centrados principalmente na parte inicial do Estado Novo, em parte da propaganda do próprio regime, depois na resistência clandestina, quer do Partido Comunista, quer dos anarquistas, quer depois, mais tarde, dos católicos progressistas e dos grupos esquerdistas".
“A ideia é permitir que quem vá ao museu perceba a ecologia política da época, a enorme violência que se vive num regime que não tem liberdades – o papel da censura, o papel da repressão, da PIDE [polícia política da ditadura], tudo isso vai estar documentado, nalguns casos com materiais do Ephemera”, acrescentou.
Paula Silva salientou que o protocolo com a Ephemera e José Pacheco Pereira permitirá que o “espólio gigantesco”, reunido na vila da Marmeleira (distrito de Santarém), mas também no Barreiro (Setúbal), possa “servir como base para o projeto museográfico da fortaleza de Peniche, do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade”.
A diretora-geral do Património Cultural disse que o concurso público para o início da empreitada do museu deverá ser lançado em breve, sendo a previsão de duração da obra de um ano.
Paula Silva salientou o vasto conjunto de entidades envolvidas neste projeto, além da Ephemera e de Pacheco Pereira (que faz parte da comissão executiva nomeada pelo Ministério da Cultura), como a Torre do Tombo, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, o Partido Comunista Português, a Câmara de Peniche, investigadores e a equipa da DGPC que tem trabalhado nos conteúdos, tem consultado arquivos e entrevistado antigos presos políticos.
“Tem havido um trabalho muitíssimo grande. No fundo estamos a construir um museu de raiz”, num edifício que, “já de si, representa uma memória muitíssimo importante”, acrescentou, referindo-se ao Forte de Peniche, antiga prisão da ditadura, para os prisioneiros políticos.
Pacheco Pereira afirmou que a comissão executiva tem vindo a definir “o que é o museu, que salas e que alas do forte vão ser utilizadas, como é que se vai fazer a apresentação dos materiais, o equilíbrio, porque nalguns casos há muita coisa e nalguns casos muito pouca coisa”.
“É importante garantir que no Museu da Resistência se cubra toda a resistência, ou seja, que se fale dos anarquistas, se fale dos comunistas, se fale dos esquerdistas, dos católicos progressistas, dos republicanos e que haja uma perceção também da pluralidade da oposição”, disse.
Por outro lado, há os “aspetos da violência, da repressão”, e outros, como “o controlo das cabeças, a conquista das almas, através da censura, mas também através da propaganda, que, nalguns casos, nos anos 30, era bastante moderna”, afirmou, acrescentando ainda o “período particular do final do regime e da guerra colonial”.
Como exemplo de objetos que podem vir a ser integrados no museu, Pacheco Pereira colocou em cima de uma mesa um bilhete de identidade falso, uma farmacopeia, numa caixa de minas soviética de um guerrilheiro moçambicano da Frelimo, um bomba de gás lacrimogéneo e documentos do tempo da ditadura.