04 fev, 2020 - 21:11 • Tiago Palma
Britânico de Woodbridge, cidade de 11.385 habitantes no leste de Inglaterra, músico, do rock nos Roxy Music ao minimal ambiental mais a solo, produtor, de David Bowie aos Talking Heads, de Paul Simon aos Slowdive, de Brian Eno se pode dizer que é uma “autoridade”.
E puxou Brian Eno dos seus galões para, no site Democracy in Movement 2025 (do qual fazem parte figuras como Julian Assange, o ex-ministro grego Varoufakis ou o fundador do Livre Rui Tavares), se despedir dos “amigos europeus”, agora que o Brexit se consumou e o Reino Unido não faz já parte da União Europeia.
O músico britânico começa por garantir que, embora o Reino Unido tenha decidido de forma “louca, infantil e provavelmente suicida abandonar a Europa”, ele, Eno, continua a “sentir orgulho de ser europeu" e da "grande experiência social que a União Europeia representa”. “Na minha mente, ainda estou na Europa e é lá que vou ficar. Agora, para a Inglaterra está tudo acabado e as gerações vindouras avaliarão os resultados”, garante em seguida.
A carta serve igualmente para Brian Eno dizer aos europeus “o que aconteceu à Inglaterra”. E o que é que aconteceu? O que é que está na origem do Brexit? "Uma imprensa corrupta e enganosa, detida por uma mão-cheia de pessoas muito ricas; uma ilusão absurda e cuidadosamente alimentada sobre o passado imperial da Inglaterra; uma imprensa que prospera através de atenção e de cliques e, portanto, que amplia as chances políticas de entertainers como Donald Trump e Boris Johnson; um ecossistema de redes sociais que conduz à polarização em vez de compromisso; e uma série de líderes indistintos que aparentemente não entenderam nada sobre todos estes problemas sistémicos”, explica.
Mas outra razão houve, acima de todas, segundo o músico, que tornou o Brexit uma realidade. A desatenção dos privilegiados. “Nós, que nos apelidados de liberais ou socialistas ou democratas, não estávamos a prestar atenção. Não reparámos que para a classe trabalhadora as condições se tornaram mais sombrias a cada ano. E não reparámos que a imprensa de sarjeta estava implacavelmente a atribuir a culpa disso às vítimas – os imigrantes, os pobres, os assistentes sociais, os professores, os estrangeiros... e, acima de tudo, à União Europeia”, pode ler-se na carta publicada na Democracy in Movement 2025.
E conclui em seguida, Eno: “Não reparámos porque a nossa vida não era assim tão má - todos tínhamos os nossos iPhones e aplicações e contas na Amazon e voos baratos para a beira-mar e outras maneiras de gastar o tempo. Entretanto, uma revolução estava a acontecer. Não nos apercebemos dela porque supusemos sempre que os revolucionários seríamos nós. A revolução aconteceu e nós estávamos sentados a ver Netflix”.
O cenário traçado por Eno é catrastófico, acreditanto o músico que outros países “também enfrentarão, em breve, campanhas para sair” da União Europeia, “se é que já não” enfrentaram. É que a União Europeia é “um alvo fácil para qualquer político ambicioso” que pretenda “cavalgar esta onda nacionalista” com toda a ajuda que “inevitavelmente os media lhes darão”, lamenta.
Eno desejou, a terminar, esperando “ver-vos [europeus] dentro de uma geração ou duas”: “Por favor, meus amigos na Europa – não cometam os mesmos erros estúpidos que nós. Não riam apenas de pessoas como Trump e Johnson e todos os outros, porque em breve eles irão devorar-vos. Se queremos que uma Europa unificada sobreviva, precisamos de defendê-la agora. Falar sobre isso. Pensar sobre isso. Fazer com que melhore. Fazer com que funcione”.
[Artigo atualizado às 20:36 de 19 de fevereiro]