22 fev, 2020 - 12:14 • Maria João Costa
Nem só de livros e literatura se faz o Festival Correntes d’Escritas, que termina neste domingo na Póvoa de Varzim. A terra que viu nascer Eça de Queirós e que agora se quer candidatar a cidade criativa da UNESCO tem também por estes dias um artista madeirense que está a criar uma peça ao vivo durante o festival literário.
Nas Galerias Euracini, Paulo Sérgio BEJu está numa sala deitado sobre um chão preto. O artista plástico veste um fato de veludo vermelho e, na mão, um dos 46 pacotes de sal grosso que está a usar para fazer a sua obra. Veio do mar, a matéria prima com que vai esculpindo um desenho.
Sentamo-nos no chão. Explica-nos que “a proposta nasceu de um desafio da Manuela Ribeiro”, a responsável executiva do Festival Literário Correntes d’Escritas e logo surgiu a ideia de unir a Madeira, donde BEJu é natural, e a Póvoa de Varzim, “ambas com relação com o mar”.
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Deste “enamoramento”, como lhe chama o artista, surgiu a ideia para a instalação de sal. “O desenho está pejado de pequenos elementos”, descreve, acrescentando: “é quase uma renda” feita de sal e que nasce com base no improviso. Há argolas, estrelas, olhos... “Pretendo falar da fragilidade da vida” diz BEJu.
O criador madeirense quer também refletir sobre os tempos que vivemos. “Podemos viver melhor”, admite este criativo que já ilustrou um livro com o escritor Válter Hugo Mãe.
“Em todo o meu trabalho plástico está enraizada esta questão da pressa dos dias e da tecnologia que imprime essa pressa. Eu quero fazer o contrário disso, por isso temos aqui um desenho com uma raiz quase artesanal e popular para mostrar o contrário dessa pressa”, explica.
É de lentidão que se faz esta obra salgada de aroma a mar. “Isto é um trabalho de paciência” indica Paulo Sérgio BEJu. “É um desenho que se vai construindo, um corpo de sal. É quase uma relação com o mar: o que ele nos oferece, a relação que a Póvoa tem com o mar”, acrescenta. E conclui: “quis trazer isso de uma forma a remeter para a beleza”.
Mas há também uma dimensão espiritual nesta obra, cujo título brinca com o nome da cidade Póvoa de Varzim. Chama-se “Voa Pó de Varzim, é um trocadilho”, explica o autor, que fala da “magia do pó que voa e que no fundo é tudo o que nos liga à criação”.
Paulo Sérgio BEJu, que editou também um livro com imagens e textos sobre a Póvoa de Varzim, fala do lado quase religioso que há na obra e na contemplação demorada da beleza. O artista que se licenciou em artes plásticas e que durante alguns anos deu aulas na Madeira, começa por contar que usou a palavra “sentir” para definir o festival Correntes d’Escritas, mas depois logo fala do “sentir de cada um”.
“Eu não consigo convencer ninguém ou ensinar o que é a fé. Eu sou um ser de fé e, às vezes, isso é difícil porque passa por um sentir. Para mim a espiritualidade passa pelo entrar aqui e deixar sentir qualquer coisa. Poderá ser o belo, ou o bem. É todo este fazer vagaroso que constrói esta imagem que se está a ver” e que fazem esta beleza salgada.