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Entrevista

Rodrigo Leão criou uma "banda sonora da quarentena" e pede "atenção especial” para as artes

11 jul, 2020 - 14:00 • Maria João Costa

O músico recolheu-se no Alentejo para cumprir a quarentena. Daí resultou um novo disco. "Avis 2020" é uma espécie de banda sonora do confinamento. Rodrigo Leão vai mostrá-la no concerto de 15 de agosto em que tocará também o disco ‘O Método’, cuja carreira foi interrompida pela pandemia.

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Ouvem-se pássaros durante toda a entrevista. São os sons de Avis, no Alentejo, onde o músico Rodrigo Leão se recolheu para passar a quarentena.

Os passeios, as leituras e os desenhos que fez, bem como os vídeos de paisagens que gravou no telemóvel, acabaram por precisar de uma banda sonora. “Avis 2020” é o nome do EP que lançará a 17 de julho. São dezanove músicas curtas, que sonorizam os dias da pandemia.

Em entrevista à Renascença, o músico fala do concerto que vai dar a 15 de agosto no Casino do Estoril e afirma que, “mais do que nunca”, as artes “precisam de atenção especial”.

Avis, que dá nome a este EP que vai lançar dia 17 de julho, remete para um lugar de criação?

Avis é um local muito especial para mim e para a minha família. Eu casei-me aqui, com a Ana Carolina, há 20 anos. É um sítio onde acabamos por passar muito tempo com a família e os amigos, e claro, é um sítio onde habitualmente tento compor e procurar ideias.

Foi o que aconteceu durante os dias de confinamento?

A verdade é que no início não estava muito preocupado ou virado para compor músicas novas. Estava, antes, um pouco chateado porque o meu disco novo, "O Método", tinha acabado de sair duas ou três semanas antes. Mas comecei por procurar umas ideias e diria que o primeiro mês e meio foi complicado em termos criativos. Ia fazendo caminhadas, aproveitei para ler mais, víamos filmes, estávamos aqui um pouco privilegiados por estarmos no meio do campo.

Estar no meio do campo acabou por ser inspirador?

Acabei por começar a fazer uns desenhos, umas filmagens com o meu telemóvel e, quando chegava a casa, tentava descobrir umas ideias de músicas para por nessas filmagens. Isso começou a acontecer praticamente todas sextas-feiras em que punha um filme com imagens de árvores, nuvens, do campo, coisas curtinhas de 50 segundos e punha sempre uma música.

Foi nascendo o disco?

Chegou uma altura, há um mês, em que eu e o António Cunha pensamos: "Porque não fazer uma pequena edição destes momentos que fui fazendo ao longo deste tempo?" E assim aconteceu o "Avis 2020", um disco que reúne esses momentos que passei aqui confinado. São 19 minutos de músicas curtinhas que refletem um pouco o que ia vivendo no dia-a-dia perto de Avis.

É uma espécie de banda sonora da quarentena?

É. Penso que sim. Grande parte desses temas estão ligados a estes pequenos filmes. Há dois ou três temas mais tensos, feitos se calhar nos primeiros momentos. Depois há outros em que se nota já esperança, até porque apanhamos aqui a passagem do inverno para a primavera. Depois há uns temas mais ligados aos passeios e às caminhadas que íamos fazendo no meio das árvores, das oliveiras e sobreiros.

Acabou por ser um processo de criação, diferente de outros trabalhos?

Quando estou a tentar preparar um disco, normalmente, numa primeira fase, posso passar seis meses ou quase um ano a procurar ideias. Depois, vem a fase seguinte, que pode demorar também seis meses para concretizar o disco. Mas a verdade é que este disco, nesse aspeto, foi muito diferente dos outros. É uma coisa muito mais espontânea. Acabei por tocar todos os instrumentos: um baixo, uma guitarra, uma melódica. Depois, passei dois dias em Lisboa, com o João Eleutério e o Pedro Oliveira, grandes amigos e companheiros de longa data, que me ajudaram a fazer a mistura destes temas novos.

Não conseguiu ficar parado durante o confinamento?

Posso estar um mês sem fazer praticamente nada em termos criativos, seja desenho ou música. Mas está na minha maneira de ser: ao fim de um mês, já estou com aquele nervoso miudinho e já estou com vontade de fazer qualquer coisa. Foi isso que foi acontecendo aqui no Alentejo. Comecei por fazer uns desenhos, depois os vídeos, comecei a ler livros que tinha guardados para ler há já muito tempo e isso tudo acabou por formar este ‘Avis 2020’, onde essas influencias todas estão presentes.

Tem marcado o primeiro concerto, pós-desconfinamento, para dia 15 de agosto no Casino do Estoril...

Sim, vai ser o primeiro concerto do disco "O Método", nestes tempos. Vamos fazer, pela primeira vez, a experiência do "streaming", com grandes cuidados ao nível do som e da imagem. Esperamos ansiosamente por esse dia e esperamos que tudo corra bem. Estamos contentes por, aos poucos, irmos começando os nossos concertos.

Mas terá lotação limitada por causa das medidas de segurança e higiene. Terá menos público do que está habituado...

Há muitos anos atrás, lembro-me de dois ou três concertos da Sétima Legião em que tocamos para meia dúzia de pessoas. O público não aparecia, não éramos muito conhecidos. É uma situação diferente, mas a verdade é que há concertos em que, apesar de terem pouco público, há uma comunicação muito grande entre os músicos e isso é o mais importante.

Tem saudades do palco?

Sim, muitas saudades do palco e do público.

A pandemia acabou também por afetar o lançamento do disco "O Método"?

Sim, apanhou-me completamente desprevenido. Tínhamos vinte concertos marcados até ao final do ano, tínhamos uma "tournée" na Alemanha, um concerto em Espanha e muitos em Portugal. É estranho, há quase uma certa frustração, mas claro que temos de aceitar o destino e compreender que isto é uma exceção.

Como vê a forma como os efeitos da pandemia estão a atingir o setor cultural?

É evidente que ninguém esperava e que isto atingiu toda a gente. Se calhar até pessoas que estavam a lançar discos, como eu e, se calhar, até pela primeira vez. Eu, como toco há mais anos, provavelmente posso sofrer um efeito diferente em relação às pessoas mais novas. Acho que é preciso mais do que nunca dar importância no nosso país à música, à literatura e à pintura. Todas as artes, mais do que nunca precisam de uma atenção especial.

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