15 out, 2020 - 07:50 • Maria João Costa
Na capa de “Contra Mim” está uma ilustração do artista plástico Agostinho Santos que revela Valter Hugo Mãe despido, confundindo-se com a raiz de uma árvore colorida que lhe sai pela cabeça. É assim que o escritor, que venceu em 2007 o Prémio Literário José Saramago, se apresenta neste livro aos seus leitores: despido de preconceitos e deixa a nu a sua vida a quem a quiser conhecer.
A obra, que chega quinta-feira às livrarias pela mão da Porto Editora, reúne um conjunto de textos inéditos, escritos ao longo de 15 anos. A maioria são um revisitar das memórias de infância deste escritor nascido em Angola.
O livro dedicado aos pais do escritor, Antónia Rodrigues Alves e Jorge Augusto Pimenta de Lemos, abre com um texto sobre a mãe. Figura a quem o escritor presta eterna homenagem ao usar no seu pseudónimo o apelido “Mãe”.
Em entrevista ao programa “Ensaio Geral” da Renascença, Valter Hugo Mãe refere-se a este seu novo livro como “bizarro” e justifica esta classificação por a obra contar a história da sua infância até à adolescência, “aos 13 anos”.
“É sobretudo, uma memória do tempo de Paços de Ferreira e a chegada às Caxinas”, explica o escritor, que confessa que este é um livro em que se “mete” consigo próprio.
“É um livro que me provoca, que me cria ansiedade e me coloca em perigo”, conta Valter Hugo Mãe, o escritor que apesar de se ter formado em Direito, preferiu dedicar-se à escrita.
Este que é o seu livro mais pessoal e que, afirma, o “vulnerabiliza”. Resulta também deste ano de pandemia, um “ano introspetivo”.
“Este ano pandémico solicitou-me uma revisitação à pessoa que eu quis ser, de maneira a eu voltar a afinar ou ganhar coragem para um regresso franco aquilo que são as minhas pulsões mais naturais”, explica Valter Hugo Mãe nesta entrevista gravada à distância de um computador.
O escritor de 49 anos, que já tem sete romances publicados e outros tantos livros infantis, de poesia e contos, explica em entrevista à Renascença que cresceu “numa espiritualidade muito profunda” que durante alguns anos abandonou, “por cobardia ou porque não estava na moda e os amigos não entenderiam”.
Agora, e levado pela escrita deste livro, Valter Hugo Mãe não tem dúvidas em afirmar: “quero muito regressar a uma espiritualidade profunda”. Num dos capítulos em que fala do irmão que nunca chegou a conhecer, por ter morrido antes de Valter nascer, o escritor escreve sobre ambos: “Já sabíamos de Deus”.
“Quero voltar a entender porque é que tenho um pressentimento tão seguro e tive sempre um pressentimento tão seguro de estar acompanhado. Tenho a sensação, e em momentos chave da minha vida, tive sempre a sensação de que estou acompanhado. Não me interessa se os meus amigos mais próximos não entenderão, ou acharão que eu finalmente assumi a loucura, mas isto para mim foi sempre muito claro. Em momentos mais graves eu tive a sensação que no instante em que eu aceitei que, eventualmente, Deus pudesse estar comigo, simplesmente essa assunção de que Deus estaria atento, já era uma solução. E a verdade é que saí das piores coisas da minha vida, com essa simples sensação de que estou acompanhado”, diz o autor.
No livro “Contra Mim”, onde há um segundo capítulo dedicado ao tempo em que Valter Hugo Mãe se mudou para as Caxinas, em Vila do Conde, onde hoje ainda vive, o leitor encontra um tom confessional. Talvez por isso, o escritor que tem também uma banda diga que este é um livro de “coragem”.
Valter Hugo Mãe conclui esta conversa sobre o seu novo livro dizendo: “É uma oportunidade de chegar mais perto de um esplendor, completude e paz”.