23 out, 2020 - 09:00 • Marta Grosso
“A nossa mente tem um lado negro”, diz o presidente da Associação Portuguesa para o Mindfulness. José Pinto-Gouveia sublinha que há, todavia, mecanismos para o contornar e viver uma vida mais feliz, mesmo em tempo de grandes desafios como agora, com a pandemia de Covid-19.
Aceitar, agir e rir são alguns dos verbos que se destacam nas sugestões avançadas à Renascença por José Pinto-Gouveia. Mas há mais. Conheça as sete dicas deste especialista em psicologia.
Saia da sua cabeça e aja. Pode ser fazer uma caminhada, correr, fazer as aulas de ginástica que deixou e não retomou ou até tratar daquela flor ou planta que tem no vaso.
“Ou seja, agir em vez de ficar a pensar que vai ser contaminado (ou se vai ser), porque esse pensamento não vai resolver nada”.
Aceitar que os tempos são difíceis e que é natural que haja, nesta altura, algum sofrimento, alguma ansiedade e alguma preocupação; aceitar que isso faz parte da situação que vivemos.
Permitir alguma ansiedade e alguma tristeza, mas sem ficar demasiado preocupado. Nem sequer pense: 'tenho que acabar com esta ansiedade', 'tenho de me sentir bem disposto, alegre, tenho de se forte'.
"A felicidade começa quando paramos de a procurar no pensamento"
“Esta ideia do super-homem ou da super-mulher que resiste a tudo não dá grande resultado”.
“Aquilo que as pessoas fazem para tentar fugir à ansiedade, habitualmente só a aumenta”.
A felicidade começa quando paramos de a procurar no pensamento. Porque a felicidade é uma coisa que se faz quando se aceita o dia-a-dia e permite que a vida aconteça em si, tal como é, momento a momento.
“Só falam de felicidade as pessoas infelizes. As pessoas felizes não estão sempre a pensar se estão felizes ou infelizes. Os infelizes é que estão sempre a avaliar se estão felizes ou não”, reflete José Pinto-Gouveia, médico psiquiatra doutorado em Psicologia Clínica.
Não significa isto, contudo, que se resigne. Muitas vezes, confunde-se aceitação com resignação. Em “mindfulness”, aceitar é permitir.
Pelos outros. Por si.
Compaixão “é uma sensibilidade ao sofrimento, nosso e dos outros, aliada a uma motivação, a um desejo forte e motivação para o diminuir”.
Estudos têm demonstrado que a prática de atitudes compassivas beneficia o sistema imunitário.
Estas atitudes podem ir desde o simples ajudar alguém que não consegue pegar nos sacos de supermercado, até ouvir um amigo que está desesperado ou ajudar sem-abrigo.
Mas há também a auto-compaixão: “sermos sensíveis ao nosso sofrimento e tratarmo-nos como trataríamos um amigo que estivesse a sofrer. Portanto, estarmos do nosso lado em vez de contra nós”.
Implica um bocadinho de força e de coragem para enfrentarmos o sofrimento em vez de fugirmos dele; nasce do sofrimento – tal com a flor do Lótus, que nasce e se desenvolve na lama para depois nos brindar com toda a sua beleza.
Há muita gente que tem medo de ser auto-compassiva porque receia que isso a torne fraca, menos reativa, menos capaz de se defender.
Se é daqueles que se olha ao espelho e só se critica, talvez seja altura de mudar de atitude. “As pessoas muito autocríticas estão muito vulneráveis a deprimir-se”.
Parar, estar connosco próprios, saborear as coisas que fazemos como se fosse irrepetível. Porque não volta, de facto, a acontecer. Valorizar esse momento.
Saborear os momentos – mesmo que sejam segundos – e cuidar. Pode ser de uma planta. Sinta-se bem no momento.
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Num estudo feito há uns anos em lares de idosos, foi colocada uma planta em diferentes quartos. A um grupo foi-lhes posta a planta e dada a responsabilidade de cuidarem dela; a outro a planta foi colocada, mas sem qualquer indicação.
Ao fim de algum tempo, os idosos que cuidaram da planta tinham taxas de mortalidade menores do que aqueles que não cuidaram.
É muito importante. Dar umas boas gargalhadas reduz os níveis de stress. Há até uma terapia do riso, em que as pessoas aprendem a gargalhar – e o que é interessante é que, mesmo quando gargalhamos sem muita vontade, existe um efeito positivo.
Não se isole e veja menos televisão. A ligação aos outros, mesmo que seja através das tecnologias, deve continuar. E, nas conversas, não aborde apenas os medos e o tema da pandemia, mas fale com os amigos de coisas boas; riam-se, gargalhem, contem anedotas, recordem bons momentos.
Sintam que não estão sozinhos nisto. Não se agarre às notícias. Mantenha-se informado, mas não passe o dia a ver televisão. Não o vai ajudar.
Faz parte das regras de ouro: ter uma alimentação saudável, praticar exercício físico e dormir bem. Mas em alturas de maior ansiedade (como tem acontecido durante a atual pandemia), esta parte torna-se mais difícil.
“O sistema de ameaça está ativado e, portanto, ficamos mais vigilantes”, explica o especialista em psicologia.
Para contraria essa tendência, além de todos os outros pontos já mencionados, é importante manter uma rotina de sono.
“O problema nestas alturas é que as pessoas começam a dormir pior e depois começam a levantar-se mais tarde e vão alterando o seu ritmo de sono, tendo cada vez mais dificuldade em adormecer à noite”, diz.
“O bom conselho é: mantenham uma hora de levantar fixa, porque isso vai ajudar-vos a adormecer à noite, também a uma hora mais ou menos fixa”.
"Sabia que, por dia, temos cerca de 60 mil pensamentos? Cerca de 90% são iguais aos do dia anterior"
É fundamental para combater a inibição psicológica.
Em alturas como a que vivemos, a depressão começa insidiosamente. As pessoas começam a dormir pior, a ficar mais irritáveis, começam-se a agarrar à televisão, deixam de fazer as coisas que lhe interessavam, isolam-se mais um pouco, começam a sentir-se cansadas.
Se se reconhece nesta descrição, saiba que este cansaço não é mais do que inibição psicológica e não melhora com o descanso, mas com o exercício.
“Como as pessoas se sentem cansadas, sentam-se no sofá e, quanto mais se sentam no sofá, mais cansadas ficam, porque a cabeça não pára e continua a contar-lhes histórias tenebrosas acerca do que são e do que vai acontecer nesta pandemia”, descreve José Pinto-Gouveia.
“É fundamental que as pessoas vão correr, deem as suas caminhadas de meia hora, porque isso vai fazer muito bem ao estado de humor e à saúde”, apela.
Sabia que, por dia, temos cerca de 60 mil pensamentos?
“As pessoas pensam que, quando lhes surge um pensamento, foram elas que o escolheram, que decidiram ter esse pensamento, mas muitos dos pensamentos que nos aparecem feitos na cabeça não foram escolhidos por nós. São secreções mentais”, explica o presidente da Associação Portuguesa de Mindfulness.
“A mente faz isso a partir das nossas experiências anteriores e de outros pensamentos” – os tais 60 mil que teve. E “cerca de 90% são iguais aos pensamentos do dia anterior”.
“Achamos que somos muito criativos, mas estamos sempre com as mesmas coisas. Então, é útil ver os pensamentos como ecos de coisas que aconteceram ou de pensamentos que já tivemos anteriormente e quanto mais pensamos uma coisa, com mais facilidade esse pensamento vem à nossa cabeça”, diz José Gouveia.
O pensamento tem uma dupla faceta. Tem o lado bom, o lado brilhante, o lado luminoso – que nos permite resolver problemas, criar a ciência, a arte, a matemática, a música, etc – e tem um lado negro.
“Com o pensamento construímos histórias: acerca de nós, do mundo, acerca dos outros. Mas, sobretudo, acerca de nós. Há uma parte do nosso cérebro, que é o cortex singular anterior, que é o narrador, que está a sempre a criar um filme ou uma história em que nós somos o artista principal”.
O que somos, quem somos, como devíamos ser como é que os outros nos veem; como temos medo que os outros nos vejam, em que medida estamos à altura, se vamos ser capazes, se vamos falhar, se vamos conseguir – eis os principais elementos dos filmes que o lado negro cria.
Alimentar um destes lados do pensamento transforma a nossa vida. “O que temos é o que praticamos”, sublinha o especialista.
Numa altura em que o medo, ansiedade e a preocupação tomaram conta das sociedades, ter consciência dos pensamentos e dos mecanismos existentes ao nosso alcance para ultrapassar momentos mais negativos é uma boa ferramenta para viver melhor.