30 out, 2020 - 07:10 • Maria João Costa
Um problema nas cordas vocais fez Márcia voltar a escrever poemas. O “desafortunado pequeno acidente”, como lhe chama, acabou por resultar, uns anos depois, no livro que agora chega às livrarias. “As Estradas São Para Ir” reúne poemas, letras de músicas, textos autobiográficos em prosa e desenhos inéditos da cantora. Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, Márcia confessa que a pandemia fez despertar em si a “necessidade de escrever” e o confinamento levou-a a voltar a desenhar.
Conta na nota de autor do livro que a poesia foi a sua primeira forma de expressão escrita, e que foi quando ficou sem voz, na altura da sua segunda gravidez, que voltou a escrever. Sentiu esse impulso?
Sim, voltei a escrever muitos poemas em 2017 e tinha a ingenuidade de achar que os ia editar no próprio ano. Sou muito ansiosa, gosto de concretizar as coisas depressa. Achava que ia editar esses poemas rapidamente. Felizmente, não os editei logo, fiquei à espera de serem um bocadinho maturados. A escrita às vezes tem de ser rescrita e relida. Depois juntei algumas canções. Tive este convite para editar. E depois durante a pandemia, este ano, já durante outras circunstâncias tive muita necessidade de escrever. Acho que o livro fala sobre isso, sobre essa necessidade de escrever como uma espécie de sobrevivência emocional, um escape, uma saída.
O livro, além desses poemas, tem também desenhos seus. A Márcia é formada em Belas Artes. Teve também necessidade de voltar a pegar nos pincéis e nas tintas?
Eu há muito tempo que não desenhava tanto. O facto de estar confinada naqueles meses, com dois filhos pequenos em casa, fez-me dar a volta à questão. “As Estradas São Para Ir” é um livro que mostra muitos caminhos de saída. E dei a volta à questão, harmonizando com os meus filhos essa vontade de desenhar e consegui fazer estes desenhos todos. São inéditos, são novos!
Entre os seus desenhos, os poemas e as letras de canções, há também textos em prosa, muito pessoais. São quase autobiográficos?
É um livro sobre mim, mas creio que não é só sobre mim. Creio que é um livro sobre “Estradas para ir”, maneiras de sair de situações. Todos nós temos momentos mais complicados. E este é um momento complicado e coletivo. Ainda não terminou. O livro fala dessas capacidades de saída e de evasão. O desenho para mim é também muito isso, uma maneira de imaginar outros mundos, de estar noutros sítios e de sair.
Alguns dos textos em prosa, fala muito do seu pai, de como ele a incentivou sempre ao seu lado mais artístico.
É capaz de ser a pessoa mais presente no livro, a seguir a mim! Como explico no livro, o meu pai é uma figura muito presente e nunca o deixará de ser, apesar de já ter falecido há um ano e pouco. Isso levou-me a retomar a necessidade de escrita e do desenho. O meu pai dizia muitas vezes para não abandonar o desenho e insistir em desenhar. De facto, ele tinha razão. Deu-me um prazer enorme fazer isto. Juntar estes textos e poemas, escrever outros poemas que foram mesmo escritos agora, depois ter esta liberdade de escrever estas crónicas, é um passo emocional muito grande para mim. Espero que as pessoas se revejam um bocado nestes caminhos de saída que é o que o livro mostra.
Diz numa dessas crónicas que “Deus escreve direito por linhas tortas. Mas não escreve sozinho.” Há sempre em todo o livro esta ideia de “companhia”
Sim, eu subtilmente, neste livro falo bastante do meu público. Quem nos ouve é um precioso lugar. Eu acho que nós constantemente precisamos de nos curar uns aos outros. Não existe essa coisa de sermos felizes sozinhos. Precisamos de trocar experiências e perceber que não estamos sozinhos naquilo que sentimos. Há mais gente que sente. Fui percebendo isso ao longo destes anos, a prepósito das mensagens que algumas pessoas do público me mandavam sobre algumas letras de canções. Achava que ninguém estava a perceber, mas afinal as pessoas reveem-se e isso acaba por terminar um ciclo de cura.
“As Estradas São para Ir” é também uma porta de entrada para a sua música. Há aqui muitas letras de canções, elas surgem antes das músicas?
Eu escrevi em itálico aqueles poemas que são canções ou excertos de canções. As pessoas podem ir às plataformas e encontram as canções para ouvir. Estes poemas que estão escritos em corpo normal, nunca serão para musicar. Bem, nunca digas nunca!... Mas eu não musico textos. Tenho imensa dificuldade em fazer isso. Se alguém me der um texto para musicar, eu fico super aflita. Não é o meu métier. O meu métier é, escrevo logo com a melodia e algumas melodias vêm sem canção e ficam fechadas, como estes poemas.