03 dez, 2020 - 08:11 • Maria João Costa
Joana Vasconcelos travou a fundo no ritmo de trabalho desde que a pandemia foi declarada. Tinha por ano 45 exposições em que participava. Agora, está apenas a participar numa, em Lisboa, no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), que assinala os 20 anos dos Prémios da Fundação EDP. Em entrevista à Renascença, a artista plástica afirma que a “pausa na cultura” afeta “o desenvolvimento e crescimento do ser humano”.
De lápis na mão enquanto conversa à distância connosco e vai desenhando, Joana Vasconcelos olha para o atual momento na cultura e refere que “nunca aconteceu isto ao meio artístico”. O “isto” é a pandemia do novo coronavírus que fez toda a atividade parar.
A criadora lembra que, “mesmo em momentos de guerra, os artistas mudaram de local e continuaram a trabalhar”.
“Agora, há uma situação de quase impedimento de exercer aquilo que se é”, explica Joana Vasconcelos, que sublinha que “sem expressão, não há emoção”. De acordo com as suas palavras, esse impedimento “é como, se à conta do vírus”, o ser humano não pudesse expressar-se e “isso atrofia o desenvolvimento da espécie humana”.
Perante este cenário que considera “grave”, Joana Vasconcelos é categórica em afirmar que “fazer pausa na cultura, é fazer pausa ao desenvolvimento e crescimento do ser humano”. É aqui que a artista questiona: “Não percebo como é que se pode não ajudar fortemente a cultura, neste momento?”
“Politicamente é grave não se ter um projeto muito forte de apoio à cultura e a todos os artistas, não só portugueses, como europeus”, critica Joana Vasconcelos nesta entrevista que passa no programa Ensaio Geral da Renascença.
A artista que está agora representada na exposição “Um Oásis ao Entardecer”, que pode ser vista no MAAT em Lisboa, aponta que “há uma política cultural que deveria estar muito mais segura, instituída e presente na vida de todos os criadores na Europa”. No seu olhar, não existe essa consciência da necessidade cultural.
“Está toda a gente numa situação muito difícil”, explica Joana Vasconcelos, que também teve de colocar em lay-off o seu atelier. “Não haver uma política de apoio é muito grave”, refere a artista que, entretanto, já retomou a atividade no atelier.
Preparou a sua participação nesta exposição da EDP que assinala os 20 anos do prémio que lançou a sua carreira e tem estado a ocupar o tempo, a recuperar algumas peças antigas e a produzir outras. Sobre este momento com menos atividade, Joana Vasconcelos diz que “faz com que os criadores tenham menos pressão, para refletir melhor sobre a sua criação”.
Otimista, a artista que já expos a sua obra no Palácio de Versalhes espera que “no futuro”, depois da pandemia, possam surgir “coisas muito boas” em resultado desta paragem na atividade.
No entanto, Vasconcelos deixa um alerta: “a sobrevivência do tecido artístico está em risco e isso é muito preocupante para o desenvolvimento das sociedades e isso é muito grave”.
Joana Vasconcelos fala num ciclo ao regressar à Fundação EDP, onde há 20 anos ganhou o Prémio de Jovens Artistas, para uma nova exposição.
Nestas declarações ao programa Ensaio Geral, recorda que, “antes do prémio, era aquela artista que andava a tentar fazer umas peças e expor aqui e ali”.
A autora de peças emblemáticas como o sapato gigante Dorothy, feito com o típico tacho do arroz da cozinha portuguesa, refere que quando venceu o Prémio EDP foi o primeiro “reconhecimento institucional de que era artística”.
Com o valor do prémio investiu em criar novas obras e lembra que foi determinante na sua carreira. Joana Vasconcelos aponta mesmo que “esse rumo foi seguido até hoje”. “Vinte anos depois, estar em confinamento e outra vez na EDP a ver o prémio com 20 anos faz com que olhe para trás e faça um balanço sobre a vida e opções que tomei”, refere a artista.
Joana Vasconcelos diz a rir: “repetiria tudo, tal e qual, porque tem sido um privilégio e uma honra a aventura que começou na EDP”.
A artista conclui: “nunca poderia, há 20 anos, atrás pensar que iria fazer o que fiz! O futuro reserva sempre surpresas inimagináveis. A minha vida tem sido assim. Não deixo de ficar impressionada com a quantidade de aventuras que têm acontecido ao longo dos 20 anos, e a Covid-19 é mais uma! É uma aventura particular e única e tem obrigado muito a refazer e repensar coisas que tinham sido deixadas para trás.”