09 dez, 2020 - 12:13 • Maria João Costa
Num ano tão atípico para o setor cultural, em que a pandemia impôs uma travagem a fundo na atividade e no número de turistas que nos visitam, surge um estudo sobre “Património Cultural: Avaliação do Valor Económico e Social” que aponta a necessidade de uma Estratégia Nacional para o Património Cultural que envolve novas políticas públicas que combinem património, turismo e educação.
Apresentado esta quarta-feira, o estudo que resulta de uma parceria a empresa privada que trabalha na área cultural, a Spira; o Observatório do Património e a Nova SBE, conta com o apoio mecenático da Fundação Millennium BCP. Entre as principais conclusões, no documento a que a Renascença teve acesso, pode ler-se que o património cultural deve ser encarado pelo Estado, como um “bem coletivo estratégico de desenvolvimento económico e social sustentado do país”.
No mesmo estudo no qual participaram os investigadores Catarina Valença Gonçalves, José Maria Lobo de Carvalho e o economista José Tavares é defendida a urgência em criar um “Plano Nacional de Turismo Cultural e Paisagístico onde os recursos patrimoniais, tanto do campo da cultura (material e imaterial), como do campo da natureza são mapeados, analisados e classificados de acordo também com o seu potencial de gerar valor para o território”
No relatório final, o estudo aponta a necessidade de uma “política ativa de escoamento do tráfego turístico dos quatro polos emissores (Lisboa e Porto, zona fronteiriça, Algarve na época alta) para o interior do país através de um Plano Nacional de Turismo Cultural e Paisagístico.”
Defendendo a criação, por exemplo, de rotas temáticas, do estudo agora conhecido consta também que “a referência ao património classificado nos livros de História e Geografia, eficaz na promoção de visitas, é incipiente”. Nas conclusões pode por isso, ler-se que “urge criar um verdadeiro Programa de Educação Patrimonial que permita, por um lado, garantir um universo de potenciais consumidores futuros do património cultural, mas, também, criando espaço para trabalhar o património de proximidade”.
Ainda na área da edução, nas conclusões onde é defendida a criação de um “Programa de Educação Patrimonial” é também incluída a necessidade de “formação especializada e continuada para professores”.
No que toca a números este estudo revela que há um “potencial do dobro de visitantes para o universo do património classificado (56 milhões), o triplo das receitas de bilhética (224 milhões de receita) e uma geração de 1 emprego a tempo inteiro por cada 25 mil visitantes/ano por ponto patrimonial”.
Desenvolvido entre 2018 e 2019, o estudo não reflete a situação extraordinária da pandemia. No entanto, pode ler-se nas conclusões que “as suas já sentidas consequências no património cultural corroboram a análise e as recomendações postuladas.”
Nas conclusões finais, este estudo que tem como universo de análise “o património imóvel e classificado (4.575 bens imóveis classificados num total de 38.015 bens culturais imóveis classificados e inventariados)” em 308 concelhos do país, incluindo regiões autónomas deixa um olhar critico à forma de atuação da Direção Geral do Património Cultural (DGPC).
O estudo defende que a DGPC deve “desenvolver um Plano Operacional Integrado dos diversos serviços e equipamentos” a médio-longo prazo. No que toca aos seus quadros, o estudo revela que dos “cerca de 825 funcionários”, a média de idade é de 55 anos, por isso é apontada a necessidade imperativa de “uma maior capacitação técnica dos quadros” e “um reforço e rejuvenescimento com a entrada de novos elementos”.
Ainda quanto à atuação da DGPC que tem tutela sobre museus, palácios e monumentos nacionais, o estudo defende uma “reorganização do papel do Estado através da criação, dentro da DGPC, de uma ágil Unidade de Fruição Patrimonial”.
No que toca ao financiamento, o estudo “Património Cultural: Avaliação do Valor Económico e Social” considera que as verbas do Orçamento de Estado não devem apenas vir da Cultura, mas sim de uma “confluência ministerial” que abrange também os ministérios da Educação, Ciência e Economia. Também as Comunidades Intermunicipais e as autarquias, bem como o setor privado e os fundos comunitários devem ser incluídos neste esforço de financiamento.
Uma das estratégias para o património defendida no estudo é a sua concessão a privados. Os investigadores recordam que tal já aconteceu com a abertura à “exploração hoteleira”, mas refere que “não há razão para não estender essa possibilidade a fins muito mais consentâneos com a natureza do bem em si mesmo e o seu justo usufruto pelos cidadãos”.
Os investigadores são críticos e dizem mesmo que “é apenas um preconceito do sector cultural e um atavismo político que continua a impedir” outro tipo de concessões. “Propõe-se um mecanismo semelhante ao do programa REVIVE mas à escala do património”
No que concerne ao financiamento para o património, nas principais recomendações é referido um “incentivo ao mecenato, a criação de jogos de sorte e desenvolvimento de campanhas de fundraising”.
Sobre este estudo agora conhecido, Catarina Valença Gonçalves, diretora-geral da Spira afirma que com este documento na mão pode passar-se “do nível de “intuição” do património cultural ser um recurso a ter em conta no desenvolvimento do país” para dados concretos que traçam um “conjunto de linhas de atuação definidas”
Por seu lado, José Maria Lobo de Carvalho, diretor do Observatório do Património, refere que o estudo levanta as principais necessidades do setor cultural e “contribuir para uma necessária reflexão e planeamento estratégico.”
O professor catedrático da Nova SBE, José Tavares olha para o documento agora divulgado como “uma oportunidade de medir como o património cultural português, em diálogo com o seu enquadramento geográfico, económico e social, pode criar valor e afirmar-se como fator incontornável de coesão do país."
O mecenas, que fala pela voz do Embaixador António Monteiro, presidente da Fundação Millennium BCP considera o estudo “determinante” para “o desenho de políticas concertadas e de longo prazo no campo do património cultural”. O diplomata aponta o “evidente potencial económico e social” do património português.