22 jan, 2021 - 07:33 • Maria João Costa
“Minha Mãe, mais do que uma filha, uma mulher, uma mãe, era um Ser. Um Ser raro, indefinível, pairante, impossível de encaixar em qualquer modelo.” A descrição é de Mónica Baldaque sobre a mãe, a escritora Agustina Bessa-Luís que morreu no ano passado, e está no livro “Sapatos de Corda” que a filha escreveu sobre a mãe.
A obra, editada pela Relógio d’Água, é assumidamente “uma biografia”, explica Mónica Baldaque em entrevista ao programa da Renascença Ensaio Geral. Nas suas palavras, “é uma biografia, mas não centrada nos romances”. Mónica foi buscar o testemunho de Agustina a documentos pessoais, como as cartas que escrevia para a mãe. Essas cartas ficaram guardadas na casa do Douro, onde Mónica as veio a encontrar e ler.
“Acho que nos romances há muita informação que pode ser considerada autobiográfica, mas sempre trabalhada de uma maneira mais literária. Nas cartas, não. Há uma grande autenticidade naquilo que sentia e como vivia”, explica Mónica Baldaque, também ela escritora.
Este é, por isso, um livro escrito de dentro. “Sapatos de Corda” começou a surgir na cabeça de Mónica Baldaque depois da morte do pai, Alberto Luís, o homem que toda a vida cuidou de Agustina e dos seus manuscritos. “Precisava de pôr em ordem as memórias, a recordação, a saudade e a minha presença na vida dos meus pais”, conta a escritora, lembrando que sempre acompanhou os pais que a tratavam sempre como uma adulta, “sem exigirem que fosse criança”
Neste livro, Agustina Bessa-Luís surge na primeira pessoa nas cartas, mas há temas que escapam a essas missivas enviadas à avó de Mónica Baldaque. Um dos temas nunca partilhado foi “quando ela se começa a interessar pela política”, revela a filha de Agustina. "Era um assunto que a avó repudiava e não gostava que lhe falassem nisso”, recorda.
A incursão de Agustina Bessa-Luís na política também não era assunto considerado como “muito importante” pelo marido, explica Mónica Baldaque, que acrescenta, no entanto, compreender a opção da mãe em entrar na política. “Era uma forma de estar mais presente, diante de mais gente e dizer mais de sua justiça”, defende.
Fora da vida política e literária, este livro de Mónica Baldaque mostra detalhes da vida caseira de Agustina Bessa-Luís. Na rotina familiar, a autora conta que a mãe gostava de cozinhar depois de passar o dia a escrever.
“Era excecional. Completamente estrambelhada na cozinha. Era como quem escrevia os seus romances, não tinha propriamente uma ordem. A minha mãe na cozinha também não tinha ordem nenhuma nos temperos, na forma de esperar o tempo necessário para cozer, assar, grelhar. Era tudo muito improvisado, mas saía sempre tudo tão bem! Ela era considerada na família e pelos amigos que a visitavam uma excelentíssima cozinheira e rápida, como era rápida a escrever”, recorda Mónica Baldaque.
“Sapatos de Corda” é um livro que vem esclarecer, admite Mónica Baldaque. Numa altura em que está anunciada uma biografia sobre Agustina Bessa Luís, da autoria do historiador Rui Ramos e depois da biografia escrita por Isabel Rio Novo, a filha da escritora de "A Sibila" faz questão de afirmar que o que está neste seu livro “é verdade, é o que se passou”.
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Mónica Baldaque sublinha que este é um livro sem “interferência de informações que possam ser duvidosas.” As cartas mostram Agustina na primeira pessoa e deixa tudo “bem esclarecido”, destaca a autora, segundo a qual essa era também a sua vontade.
“Na verdade, a minha mãe esteve 12 anos afastada. Não posso dizer que tenha estado propriamente doente. Teve um AVC, teve consequências, mas ficou lúcida e presente. Foram 12 anos muito importantes na vida dela e na nossa. Estivemos permanentemente com ela”, afirma Mónica Baldaque sobre os últimos anos de vida de Agustina.
Depois deste livro em que descreve o último minuto com a mãe, Mónica Baldaque admite talvez vir a escrever algo, diferente, sobre esses derradeiros anos de vida Agustina.
Mónica Baldaque tem vindo, nos últimos anos, a trabalhar com a filha, Lourença Baldaque sobre o espólio de Agustina Bessa-Luís. Sobre os romances, lembra que estão tratados, porque o pai sempre assumiu essa organização cuidada. No entanto, há inéditos entre os manuscritos.
“Há muita coisa solta, há artigos, pequenos papelinhos com apontamentos, pensamentos e reações a qualquer coisa que ela ouviu ou lhe disseram. Há uma infinidade de coisas”, conta Mónica Baldaque, que já deitou mãos à obra.
Um dos próximos inéditos a sair é um livro de cartas entre Agustina Bessa-Luís e o escritor argentino Juan Rodolfo Wilcock que a autora admirava e que, segundo Mónica Baldaque, “vai revelar muitos aspetos sobre Agustina que não são conhecidos”.
As cartas que Agustina recebeu deste autor estavam no espólio, mas as de Agustina para ele exigiram uma longa investigação. “Foi um milagre”, conta Mónica Baldaque, explicando que a filha Lourença levou três anos a encontrar o herdeiro do escritor argentino que ficou com o espólio.
“Nesse espólio, ele encontrou um envelope grande que por fora dizia 'Agustina'”, explica a filha da escritora, concluindo que “é muito bom que saia” este livro da troca de cartas entre os dois para permitir aumentar o conhecimento sobre Agustina Bessa-Luís.