05 mar, 2021 - 10:33 • Maria João Costa
É uma vida que durou apenas 33 anos. Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal e foi também a única mulher do seu curso de medicina. A sua história é agora contada aos mais novos no livro “Um Pequeno Grande Gesto” da autoria de Carla Maia de Almeida e com ilustrações de Delfim Ruas.
Esta é mais uma biografia que integra a Coleção “Grandes Vidas Portuguesas” editada pela Pato Lógico e pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. No livro, explica a autora, realça-se a vida desta “republicana, médica e sufragista que se bateu por esses ideais”.
Da vida de Carolina Beatriz Ângelo sabe-se pouco. Carla Maia de Almeida assume “alguma dificuldade” na pesquisa sobre esta mulher, porque diz, “não há muitos registos”. No entanto, o nome desta sufragista “tornou-se mais familiar aos nossos ouvidos por causa da pandemia”, diz a autora, já que lembra, o nome desta médica saltou para o alto da atualidade com a Covid-19 por dar nome ao hospital de Loures.
Nascida na Guarda, numa família progressista, Carolina Beatriz Ângelo foi estudar medicina para Lisboa. “Fez a sua formação sobretudo numa área que era um bocado tabu na época, que foi ginecologia, as chamadas doenças das senhoras”, conta Carla Maia de Almeida que acrescenta que ela “foi a única mulher do seu curso”.
Entre os colegas de medicina, Carolina Beatriz Ângelo conheceu o que viria a ser o seu futuro marido, “com quem partilhou o amor, mas também muitas causas políticas e sociais”, explica a autora desta biografia para crianças e jovens.
Além de exercer medicina, Carolina Beatriz Ângelo envolveu-se em causas políticas e esse é o foco deste livro que conta o seu “Pequeno grande gesto de coragem”, e o dia em que ela quis votar.
“Ela lutou muito pela causa republicana e pelo voto das mulheres”, explica Carla Maia de Almeida que fala num ato de “muita coragem”, o dia em que Carolina Beatriz Ângelo decidiu que “queria ir votar”. Estamos em 1911 e até então, a votação só era permitida aos homens e assim permaneceu até 1974.
“Propôs-se a votar no dia 28 de maio de 1911 nas primeiras eleições depois da queda da monarquia. O que a lei da altura dizia é que só podiam votar os cidadãos portugueses, maiores de 21 anos, que soubessem ler e escrever e que fossem chefes de família”, conta Carla Maia de Almeida que conclui que “todos estes requisitos” eram cumpridos por Carolina Beatriz Ângelo.
Tinha então mais de 21 anos, sabia ler e escrever e tinha ficado viúva, ou seja, era chefe de família, e “era ela que provia o sustento dela e da filha”. Esta que foi a primeira mulher a realizar uma cirurgia no Hospital de São José, em Lisboa, contou com o apoio da sentença proferida pelo juiz João Baptista de Castro.
Na altura o magistrado disse: “Não vemos como é que uma pessoa não pode votar, sendo portuguesa, isso inclui homens e mulheres”, indica Carla Maia de Almeida. A autora desta biografia conta que a 28 de maio de 1911, Carolina Beatriz Ângelo “dirigiu-se à assembleia de voto na Estefânia”, acompanhada por um grupo de outras sufragistas, para votar. A sua atitude, ao “reivindicar o seu pleno direito”, explica a escritora, “provocou um sururu”.
Este foi o “Pequeno Grande Gesto de Coragem” de Carolina Beatriz Ângelo que inspira este livro ilustrado e que integra a Coleção Grandes Vidas Portuguesas que aos mais novos pretende mostrar a herança de figuras que devem ser lembradas.
Carla Maia de Almeida sublinha que “hoje em dia quase que se pede às pessoas para irem votar, mas naquela altura, uma jovem mulher de 32, 33 anos querer votar foi visto com maus olhos”. Nas palavras da biografa, Carolina Beatriz Ângelo “demostrou, não só uma grande força de vontade e capacidade de interpretar a lei, mas também uma grande coragem física”.
Para a autora deste livro “é bom lembrar que estas mulheres lutaram muito por coisas que hoje damos por adquiridas e que é preciso lembrar todos os dias”. A coleção Grandes Vidas Portuguesas incluiu outras biografias, entre elas as de Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Salgueiro Maia, Amália Rodrigues, Sophia de Mello Breyner Andersen ou Humberto Delgado.