18 mar, 2021 - 08:38 • Maria João Costa
Na madrugada de 25 de abril de 1974, quando, aos microfones da Renascença, a voz de Zeca Afonso cantava “Grândola Vila Morena” para dar o sinal aos militares para saírem dos quartéis, João Afonso dos Santos estava em Moçambique. O irmão do cantor conta que a notícia da Revolução “chegou à Beira e a Lourenço Marques a conta gotas.”
O advogado tinha regressado a Moçambique, onde vivera em criança, depois de se ter formado em Direito em Coimbra. João Afonso dos Santos conta agora em livro a sua vivência. É o segundo livro de memórias que escreve.
“O Último dos Colonos - Até ao Cair da Folha”, editado pela Sextante, mergulha nas memórias do autor que viveu em Moçambique, na então Lourenço Marques e na Beira, entre 1955 e setembro de 1975.
“Este livro atrasa-se em relação ao primeiro volume e vai buscar o meu período universitário em Coimbra e a ida para Moçambique, onde fui advogado durante muitos anos. É um trabalho memorialístico. São farrapos de memória dos vários sítios por onde passei, neste caso, Lourenço Marques e Beira”, conta João Afonso dos Santos ao programa "Ensaio Geral", da Renascença.
Através das memórias agora postas em livro, o autor que, em Moçambique, presidiu ao CineClube da Beira e ao Auditório-Galeria de Arte quer mostrar “o que terá sido a vida colonial” naquele país.
Este retrato, partilhado por muitos portugueses que passaram por Moçambique, pretende ser um espelho do que era a vida em ditadura, dentro e fora de Portugal, sublinha João Afonso dos Santos. Diz mesmo que essa é uma das suas “intenções ocultas” ao escrever estes dois volumes biográficos.
Na sua escrita pode encontrar-se, explica, o que era “realmente a existência da ditadura, como as pessoas viviam e o que eram os seus acanhados horizontes no dia-a-dia, em Portugal –- no primeiro volume - e em Moçambique, no segundo”. João Afonso dos Santos diz mesmo que através das suas “considerações aparece um pouco do Estado Novo”.
Questionado sobre se teve a perceção de que tinha sido uma música cantada pelo seu irmão que tinha dado o sinal de partida para a revolução dos Cravos, João Afonso dos Santos admite que cedo percebeu a dimensão que “Grândola Vila Morena” tinha ganho.
“Nessa altura, fiquei a saber disso. Aliás, a ‘Grândola Vila Morena’ apareceu por toda a parte, incluindo, depois em Moçambique”, conta à Renascença. Contudo, a notícia sobre os acontecimentos gerados pelo 25 de Abril chegaram muito lentamente a Moçambique, relembra o advogado.
“A princípio, quando começámos a tomar conhecimento - especialmente, através das pessoas, dos jornais e das rádios - receou-se até que tivesse sido um golpe da direita, da direita portuguesa”, conta João Afonso dos Santos.
Temeu-se em Moçambique que o golpe tivesse, afinal, sido levado a cabo pelos “mais inconformados com a nomeação do professor Marcelo Caetano como primeiro-ministro”, diz o autor. A notícia foi chegando a conta gotas e lentamente em Moçambique a população foi “ficando esclarecida sobre a natureza do golpe”, recorda.
O irmão de Zeca Afonso, que agora edita este segundo livro biográfico que termina em 1975, lembra que “imediatamente as pessoas mais progressistas da cidade manifestaram o seu apoio, enviaram telegramas, disponibilizando-se para fazer o que fosse possível”, na mudança política que estava em curso, na então, metrópole.