19 mai, 2021 - 08:02 • Filipe d'Avillez
Steven Braekeveldt é CEO do Grupo AGEAS Portugal, cargo que acumula com o de responsável pelas operações na Europa continental. Em entrevista à Renascença fala da dimensão cultural da responsabilidade social do grupo, explica que o primeiro conselho que dá a quem visita o país é de alugar um carro para ir conhecer os recantos de Portugal e deixa considerações sobre os passos necessários para evitar que a pandemia se prolongue de forma interminável.
A iniciativa Três por Todos junta a Renascença e a AGEAS e tem por objetivo angariar fundos, através de uma maratona solidária inédita de rádio, ao longo de mais de 50 horas, sem parar, para apoiar a União Audiovisual. Três dias de emissão em que As Três da Manhã e toda a equipa da Renascença pretendem chamar a atenção da sociedade para a necessidade de ajudar financeiramente os profissionais do espetáculo fortemente afetados pela pandemia.
O que levou o Grupo AGEAS Portugal a juntar-se à iniciativa Três por Todos?
Se olharem para o que estamos a fazer em Portugal, enquanto grupo, verão que há uma sintonia total entre todas as nossas ações e esta iniciativa, apoiando os artistas e, dentro da iniciativa, recolhendo fundos para comprar comida para os que passam dificuldades. Esta encaixou perfeitamente naquilo que fazemos enquanto grupo.
Ouvimos falar muito dos artistas que passam dificuldades, mas muitas vezes as pessoas esquecem-se das figuras por detrás do palco que também precisam de ajuda.
Nós não! Tenho uma relação muito próxima com o Coliseu Porto AGEAS e apesar de as portas terem estado fechadas continuámos a apoiá-los como antes, e a direção do Coliseu disse-nos que se não fôssemos nós, o Coliseu não teria sobrevivido. Há muitas pessoas por nos bastidores que trabalham e precisam de ordenado também. Da mesma forma formámos uma parceria com o teatro D. Maria aqui em Lisboa e eles dizem a mesma coisa, todos precisam de ser apoiados.
Quando as pessoas vão ao teatro, quem é que veem? As caras conhecidas. As pessoas que estão por detrás, os eletricistas, os que mudam os cenários, tendem a ser esquecidos, mas isso é algo que nos preocupa muito. É também por isso que continuamos a apoiar o Festival Internacional no Marvão. O ano passado não pudemos ter público e este ano vamos tentar fazer de uma maneira muito limitada, mas também lá mantivemos o nosso apoio porque sabemos que há muitos elementos culturais que dependem disso.
A que se deve este interesse todo da AGEAS na área da cultura?
Há toda uma filosofia por detrás disto. Enquanto seguradora, temos uma parte do nosso negócio nos seguros de saúde. Sim, estamos a cuidar dos vossos órgãos quando algo corre mal, estamos a tratar das vossas doenças, mas o nosso negócio mesmo está na prevenção e muita da prevenção de doenças tem lugar na saúde mental. A saúde mental é chave em tudo isto e a cultura é uma parte fundamental da saúde mental.
Por isso é que existe esta interligação, que para nós é algo natural, mas para pessoas de fora pode parecer estranho, uma seguradora tão envolvida na cultura? Porquê? Não parece fazer sentido! Mas para nós faz todo o sentido. Há um equilíbrio entre a saúde mental e a saúde física e todos o sabem. Enquanto seguradora, onde é que quero ir? Eu não tenho qualquer interesse em reparar automóveis, não tenho interesse em levar pessoas até ao hospital e fazer cirurgias. Onde queremos investir é na prevenção.
Este trabalho é desenvolvido através da Fundação AGEAS?
A nossa resposta social tem duas frentes, a Fundação e a empresa. Enquanto empresa estamos muito envolvidos na cultura. Enquanto fundação estamos muito envolvidos no apoio às pessoas que a maioria tende a esquecer.
Por exemplo, nós apoiamos a SEMEAR, que cultiva legumes através de um projeto de inclusão, mas ao mesmo tempo asseguramos que estes legumes são entregues a um restaurante que também cozinha para os mais desfavorecidos na sociedade. Tentamos criar uma cadeia de apoio. Penso que isso é muito importante.
Vamos continuar a fazer isto na fundação, mas vamos também apostar numa estratégia de apoio a start-ups sociais que estão próximas do nosso ramo de negócio. Há muitas start-ups na área dos cuidados de saúde, nos cuidados para os idosos, das pessoas com dificuldades de mobilidade. Apoiando estas start-ups sociais estamos a apoiar também o nosso próprio negócio.
Já através da empresa apoiamos projetos culturais como a rede Eunice, do Teatro D. Maria. Ao longo de três anos escolhemos três teatros no interior para encenar as peças e assim reavivamos os teatros naqueles sítios, mas também reavivamos a cultura no local, porque poucas pessoas têm a oportunidade de ir ao teatro e nem todos irão a Lisboa e ao Porto, por isso o objetivo aqui é levar a cultura de volta às raízes. As pessoas riem-se de mim, às vezes, quando digo que antigamente os teatros eram encenados na rua, eram para todos, e quanto mais se tornou elitista, mais cresceram os muros em torno dos palcos e mais caro se tornou e mais exclusivo se tornou a cultura. Mas não foi assim que começou, e temos de devolver a cultura às ruas, para todos.
É também essa a filosofia por detrás do que estamos a fazer em Marvão. Os bilhetes para esses concertos são muito democráticos. As pessoas das aldeias também podem ir, porque normalmente seria preciso pagar imenso para ter acesso a música clássica daquela qualidade, mas aqui toda a gente pode comprar bilhetes, por valores muito razoáveis.
Pessoalmente, que áreas de cultura é que mais o interessam?
Li 42 romances desde o começo do ano, por isso a literatura é um dos meus interesses. Gosto de ler e gosto de escrever. Gosto de comprar quadros. Não têm de ser caros! O mais recente que comprei foi de artistas de rua. Gosto de cinema, teatro... Tudo o que seja belo. Sei que isso é subjetivo, claro, mas tudo o que é criativo. Adoro a criatividade e gu gosto de falar com artistas, de estar com artistas, porque isso estimula a nossa criatividade.
As pessoas ficam admiradas quando digo isto, mas a área dos seguros tem muito a ver com criatividade.
Quando recebe amigos ou família em Portugal, o que é que recomenda em termos da oferta cultural portuguesa?
Aluguem um carro. Não estou a brincar! Aluguem um carro. É o que eu faço todos os fins-de-semana!
Estou sempre a perguntar aos meus colaboradores portugueses. Conheces isto? Conheces aquilo? E a maioria deles dizem que não, que nunca foram. Eu descobri tantos lugares espetaculares, excecionais. Se forem ao Alentejo, lindo! Ao norte, ao Douro, aos parques naturais junto à fronteira com Espanha, de Bragança a Braga, por todo o lado!
A única falha é que não existem guias feitos. Ou seja, existem guias turísticos e em todos se lê que se deve visitar Alcobaça, que se deve visitar Mafra, mas quando estou no interior profundo gostaria de saber que mosteiros e conventos posso visitar, mas não existe informação.
Aluguem um carro e visitem os sítios, porque é tudo espetacular. As pessoas são tão simpáticas, tão simpáticas! São genuinamente simpáticas, não porque têm uma agenda escondida, mas porque são. A comida é ótima e há tantas coisas na mais pequena das aldeias. Entra-se numa aldeia e há um mosteiro gigante! E perguntamos, o que é que isto está aqui a fazer? Não tem ninguém, zero turistas! Às vezes vou a estas aldeias e vejo mosteiros que estão vazios e pergunto aos locais se posso visitar e há sempre uma idosa que tem a chave e ela abre e eu visito. É espetacular! Mas não tem turistas. É isto que falta.
Costuma ouvir rádio?
Nunca vejo televisão. Logo aí tem parte da resposta.
Ouço rádio portuguesa no carro, mas quando estou em casa sintonizo a rádio flamenga, do meu país, online. Mas não deixa de ser rádio! É assim que acompanho as notícias e a atualidade do meu país.
A Renascença com as Três da Manhã na rua, pela cul(...)
Disse em entrevista, recentemente, que só no final de 2021 é que seria possível avaliar a dimensão da crise provocada pela Covid, na área dos seguros. Estamos quase a meio de 2021, a coisa está a desenvolver-se como esperava?
Penso que está pior, no sentido em que eu esperaria que chegados a este ponto as pessoas que de facto têm o poder de decisão perceberiam que estamos perante uma pandemia mundial, e não uma pandemia de países ricos.
O que acontece é que nos países pobres 83% das pessoas não vão ser vacinadas. Não serão vacinadas em 2021, nem em 2022, nem em 2023. Já se diz que em dezembro será necessária uma terceira dose da vacina, para estarmos mais protegidos contra as mutações que virão.
Eu sou otimista, mas tenho estado a avisar internamente que os meus trabalhadores não devem ficar admirados se em 2022 continuam a trabalhar a partir de casa. Porque se houver uma mutação que foge ao efeito das nossas vacinas, voltamos todos para casa.
O que eu digo é que sim, as farmacêuticas investiram dinheiro na descoberta das vacinas, eu não tenho qualquer problema em que as farmacêuticas ganhem três ou quatro vezes aquilo que investiram. Não tenho problema nenhum com isso, caso contrário não terão motivação para descobrir vacinas. Mas os líderes mundiais devem dizer que tudo bem, agora que já lucraram cinco vezes aquilo que investiram, devem libertar as patentes para todo o mundo.
E aí temos um equilíbrio. As farmacêuticas que desenvolveram os esforços para descobrir as vacinas conseguiram os seus lucros, em pouco tempo quintuplicaram o valor investido, o que é ótimo, é bom para as ações e mantê-los-á ocupados a desenvolver outras vacinas. Mas ao mesmo tempo acho que os líderes mundiais devem dizer que agora as patentes devem estar abertas a todo o mundo para que as pequenas farmacêuticas no Bangladesh, no Gana, em Moçambique, possam fazer as vacinas de que precisam para os seus povos.
Se não tivermos este tipo de consciência, creio que nem estamos a meio do caminho. Vai ser uma história interminável que voltará recorrentemente. Temos de resolver isto enquanto problema mundial.