20 mai, 2021 - 16:07 • Maria João Costa
É um livro “para ser lido agora”, diz Patrícia Portela. A autora que está a lançar “- Hífen –“, explica que esta ficção é fruto “se calhar” da sua “revolta com a Europa que criamos”. A ação passa-se na Flandia, um país, como escreve nas páginas do livro que “não é bem um país, nem bem uma região, nem bem um Estado, a não ser de espírito.”
“O livro já estava feito quando começou a pandemia e estava eternamente a ser revisto”, conta Patrícia Portela em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença. Segundo a autora, quando a pandemia começou, houve um período em que não conseguia sequer “olhar para o livro porque o livro era real”.
“Era um livro imaginário, sobre um mundo que passou por uma catástrofe que não compreende e de repente dou por mim a rever um texto que deixou de ser imaginário e passou a ser bastante real!” refere Portela.
A autora afirma: “Costumo dizer que os meus livros acontecem depois de eu os escrever. É uma relação um bocadinho desorganizada com a realidade, mas este não. Chegou depressa a sintonizar-se com o seu tempo. Acho que se encontrou com o mundo quando era revisto. Acho isso muito bonito e raro. Por isso faz dele um livro muito especial para ser lido agora”, conclui.
Há uma atualidade na distopia criada por Patrícia Portela neste livro. A autora de obras como “O Banquete”, ou “Dias Uteis” explica à Renascença que em “- Hifen -” está “se calhar” a sua “revolta com a Europa que criamos”.
A escritora que vive entre Portugal e a Bélgica, questiona a Europa em que vivemos. “É esse estado de espírito que não é bem um Estado, uma comunidade, uma federação. Não é bem “uma coisa” e que deixa, como agora acontece, um país bombardear outro que ocupou e fecha os olhos. Deixa uma guerra iniciar-se que provoca milhares de refugiados e depois fecha a porta da fronteira”.
No livro passado na Flandia, uma região imaginada há uma personagem central chamada Ofélia, uma mãe imigrante numa Europa que não tem espaço para ela. Patrícia Portela interroga-se por isso sobre o velho continente, o ser europeu e afirma: “é um lugar utópico que promete uma maneira de estar inclusiva, onde todos têm uma oportunidade, e afinal, há imensas falhas e vivemos à custa dos outros”.
“Como é que defendemos valores que na prática só defendemos para nós? É uma espécie de dupla ética! Existe uma ética e direitos que nós defendemos para nós e que não defendemos para toda a gente. Isto parece-me completamente irracional e pouco razoável” critica a autora.
Na “região hifanada” como descreve Patrícia Portela, há o desejo de ligar, criar pontes, como o “Hífen” que dá título ao livro sempre faz entre duas palavras. Esta é a ideia subjacente a todo o livro, a de que afinal não podemos viver uns sem os outros.
Contudo, na ficção imaginada por Patrícia Portela a Inteligência Artificial ganhou terreno, e com os algoritmos a ajudarem, as ligações entre as pessoas deterioram-se. Escreve no livro a autora: “o destino de uma sociedade, regida só por números e estatísticas é o de acordar um dia sem palavras”.
E quem são os Flans, os personagens deste livro? “São naturalmente os habitantes da Flandia” explica Patrícia Portela, a região que” não é bem um país”, “nem um Estado” e onde “o prato tradicional é o Pudim Flan”.
Neste local imaginário deu-se uma batalha “muito conhecida que dá nome à Flandia, mas também ao feriado nacional, estatal, regional”, diz Patrícia Portela, onde “com uma série de Pudins Flans conseguiram envenenar o inimigo e assim ganhar a batalha e manter as fronteiras”
“Este livro é sobre um lugar que acho que todos reconhecemos. Sobre o que é que é estar num lugar com imensas condições e conseguir não ser feliz”, lembra Patrícia Portela. A autora que agora assume a direção artística do Teatro Viriato de Viseu, sublinha que “Nós estamos na parte da população que tem condições, contratos de trabalho, casa, comida, segurança social, família, tem hipótese de mudar o rumo à vida e ainda assim condena-se a não ser feliz e não seguir os seus objetivos. Acho que é sobre isso o “- Hífen -””, concluiu a sua autora.