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Alzheimer. E se um dia lhe disserem que…

16 jan, 2020 - 15:02 • Marta Grosso

Se lhe disserem que sofre de demência? Já pensou nessa possibilidade? Se calhar, na altura não vai perceber, mas os seus familiares e amigos vão saber do que se trata. Será que vão saber reagir? E pedir ajuda?

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Apatia e tristeza num idoso podem ser sinais de doença de Alzheimer, antes das alterações de memória. Mas há mais sinais, todos de cariz comportamental.

A doença de Alzheimer não tem cura e conduz, progressivamente, à morte. Uma vez feito o diagnóstico – mais duro para os familiares do que para o doente – segue-se o tratamento.

Mas será que podemos evitar este tipo de demência? A idade é o principal fator de risco, mas há fatores que podem aumentar ou reduzir as probabilidades de virmos a contrair a doença.

A Renascença falou com a neurologista Sofia Nunes Oliveira, membro da comissão científica da Associação Alzheimer Portugal, que avança informações importantes, quer para quem já tem de lidar com a doença quer para quem a deseja contornar.

“Quando temos 40 ou 30 anos, muitas vezes não pensamos como é que vai ser a nossa vida aos 80: se vamos ter condições adequadas para viver, se vamos ter quem possa cuidar de nós, se teremos capacidade financeira para gerir uma doença deste tipo”, diz a especialista. Mas “as nossas sociedades vão ter de pensar nisto, porque o impacto social é muito grande”, defende.

Leia a entrevista:


É possível caracterizar resumidamente a doença de Alzheimer?

É uma doença de causa desconhecida, mas para a qual contribuem vários fatores de risco. É uma doença degenerativa do cérebro; há uma acumulação anormal de proteínas no cérebro dos doentes que se vão depositando e que vão levando à morte progressiva dos neurónios.

Normalmente, começa na zona do cérebro responsável pela memória – sobretudo, pela memória recente, pela formação de novas memórias, pela aprendizagem. Daí, os primeiros sintomas serem esquecimento, mas acaba por afetar todas as outras zonas do cérebro e causar alterações de comportamento, de linguagem, capacidade de visão, raciocínio, cálculo...

O doente vai perdendo progressivamente as suas funções cognitivas, as suas funções cerebrais superiores, as suas capacidades, tornando-se mais dependente até a um ponto em que fique totalmente dependente.

A doença não tem cura, tem apenas tratamentos e, portanto, acaba por evoluir para a morte, ao fim de alguns anos.

Durante a doença, o comportamento vai mudando e até se pode tornar mais agressivo...

Como é o cérebro que determina o nosso comportamento, consoante a zona do cérebro que é mais afetada pela doença, assim poderemos ter vários tipos de alteração de comportamento.

O mais comum, nas fases iniciais, é uma certa apatia, perda de interesse. Às vezes, isso é anterior às alterações da memória. Aliás, a depressão pode preceder a doença. O doente fica menos interessado, mais apático e com menos iniciativa. Se não for estimulado, fica mais alheado das coisas que o rodeiam.

Mas nalguns doentes, e não é em todos, pode haver outro tipo de alterações de comportamento, como por exemplo agitação e agressividade. E esta pode ser muito disruptiva para a família e socialmente.

Muitas destas alterações do comportamento têm a ver também com a dificuldade de comunicação do doente, que tem dificuldade em expressar-se e em compreender aquilo que as pessoas lhe estão a dizer, e também com a desorientação – o não saber onde está, como é que chegou ali, o que é que lhe estão a fazer; não compreende o que se está a passar à sua volta e, portanto, reage com medo e com agressividade.

Essas alterações comportamentais incluem outras coisas, como alterações do sono, inversão dos ritmos do sono e de vigília. Os doentes muitas vezes têm tendência para acordar a meio da noite, para deambular durante a noite; podem ter patologias do sono, como apneia e outras, tendência para dormir durante o dia...

Portanto, as alterações de comportamento são um espetro grande de alterações que não estão presentes em todos os doentes: há doentes que estão tranquilos durante toda a doença, mas quando estas alterações estão presentes são extremamente problemáticas.

A que sinais devemos estar atentos, o que é que nos deve causar um ponto de interrogação?

Se olharmos para os nossos familiares, podemos pensar que alguma coisa está errada quando começa a haver esquecimentos, sobretudo pequenos erros do dia-a-dia com alguma frequência. E, sobretudo, se os doentes não se aperceberem que se esqueceram e tentarem arranjar um argumento para explicar porque é que se esqueceram.

Se esses esquecimentos começarem a afetar atividades que os doentes sempre fizeram bem ao longo da vida, que eram frequentes; se houver uma alteração ou perda de interesses, como atividade física ou leitura; alterações da personalidade, da maneira de ser (maior apatia, um maior alheamento, desinteresse) e ainda alterações proeminentes do sono, períodos de maior confusão sobretudo ao final do dia.

Às vezes, há doentes em que os primeiros sintomas são quadros depressivos, uma perturbação de humor; um doente que nunca teve uma patologia psiquiátrica ao longo da vida, nunca esteve deprimido e que, de repente, aos 70/75 anos, fica deprimido pode ser um sinal. Pode ser só uma depressão, mas pode ser a primeira manifestação de uma doença degenerativa.

Outra coisa que pode acontecer é efeitos paradoxais com medicamentos comuns. Por exemplo: um calmante ou um comprimido para dormir, que na maior parte das pessoas não tem grandes efeitos secundários, ter num doente que está numa fase precoce destas doenças um efeito secundário inesperado: agitação, confusão.

Um medicamento para a dor, um opiáceo, causa numa pessoa que tem menos reserva cognitiva um quadro de agitação ou de confusão. Da mesma forma, um internamento para pequena cirurgia ou uma infeção comum, urinária ou respiratória por exemplo, num doente com menos reserva cognitiva – portanto, com algum problema subjacente – pode causar uma síndrome confusional agudo.

E isto são sinais de alerta. É como se fosse uma prova de esforço para o cérebro e se calhar aquele cérebro não está completamente saudável.

Existe uma idade mais comum para estes sintomas?

Claramente, sim. A idade é o principal fator de risco para a doença de Alzheimer. À medida que a idade avança, a prevalência da doença avança.

A doença é relativamente rara abaixo dos 60 anos, mas a partir dos 65 a sua incidência duplica e, portanto, quando chegarmos aos 80, a probabilidade de termos algum grau de deterioração cognitiva, de causa degenerativa, atinge os 30% – ou seja, quase 30% dos indivíduos com mais de 80 anos têm algum grau de deterioração cognitiva.

Portanto, se um doente nos aparece com queixas de memória de novo, esquecimentos e tem mais de 80 anos tem uma fortíssima probabilidade de ter doença de Alzheimer.

É normal o esquecimento sem que seja demência ou Alzheimer?

Sim, podemos ter esquecimentos que são normais para a idade. Aliás, as nossas capacidades cognitivas modificam-se ao longo da vida e em alguns aspetos deterioram-se: passamos a ter mais dificuldade em fixar coisas, em decorar puro e duro sem fazer associações; tornamo-nos um bocadinho mais lentos, demoramos mais tempo a chegar ao resultado, a lembrar, a perceber.

Por outro lado, também temos mais experiência. Normalmente, essas alterações cognitivas relacionadas com a idade são relativamente lentas na sua evolução e não causam uma disrupção das nossas atividades diárias.

Por isso é que temos de estar particularmente atentos quando os esquecimentos começam a interferir com atividades que sempre fizemos ao longo da vida.

Além disso, a nossa capacidade é muito variável e há o efeito de treino. Há pessoas que se mantêm intelectual e fisicamente mais ativas têm melhor performance cognitivo do que quem tem uma vida mais sedentária ou com menos atividade intelectual.

Mas é normal termos alguns esquecimentos. É normal termos menos capacidade de aprender aos 50 anos do que temos aos 20 anos, como é evidente. No entanto, normalmente, esses esquecimentos que estão presentes aos 50 anos não nos impedem de fazer as nossas atividades do dia-a-dia.

E o que se pode fazer para prevenir ou atrasar esses sinais?

Não há nenhum medicamento neste momento que seja preventivo da doença degenerativa. Ou seja, não há nenhum comprimido que possa tomar hoje e que, se tiver nos meus genes ou se eu tiver uma forte probabilidade de vir a ter doença de Alzheimer daqui a 10 anos, evite que a doença apareça.

O que podemos fazer é melhorar a nossa reserva cognitiva, melhorar a nossa capacidade de encaixar a doença sem que ela se manifeste clinicamente – é isso a reserva cognitiva.

E o que é que podemos fazer? Mantermo-nos fisicamente ativos, fazermos exercício físico (há uma relação direta entre a atividade física e a nossa capacidade cognitiva); podemos prevenir doença vascular, portanto, tratar tudo o que for fator de risco vascular – o colestrol, a diabetes, a hipertensão, não fumar, obesidade, tudo isso são fatores que se vão somar e provocar lesão do cérebro. E mantermo-nos também intelectualmente ativos. São estas as coisas que nós podemos, no essencial, fazer para atrasar o aparecimento da doença se ela estiver no nosso caminho.

Isso é a prevenção. Outra coisa é o tratamento dos sintomas associados à doença propriamente dita.

Parece, então, que a alimentação e o estilo de vida estão muito relacionados com a doença

Estão muito relacionados e estão muito relacionados com todas as doenças do cérebro, porque na verdade melhora a performance do cérebro e a capacidade que o cérebro tem de tolerar doenças em que ela se manifeste.

Nós podemos ter pequenas lesões vasculares, pequenos AVCs no cérebro e nunca desenvolver qualquer sintoma. Portanto, se o nosso cérebro estiver o mais saudável possível, nós também funcionamos o melhor possível, como é evidente.

O que nós queremos dizer com estilos de vida saudáveis e alimentação saudável é uma vida ativa sem consumo de álcool e tabaco, com exercício físico, com a chamada dieta mediterrânica, que inclui uma série de substâncias – entre elas, antioxidantes, ácidos gordos ómega 3, que são protetores do cérebro. Todas essas medidas, na sua globalidade, promovem a saúde do corpo e promovem a saúde do cérebro.

Em termos de genética, existe alguma componente?

Existe seguramente uma componente genética. Pode considerar-se dois tipos de interferência genética, como causa da doença.

genes de transmissão familiares – são extremamente raros, felizmente. São mutações conhecidas e que são transmitidas diretamente de pai para filho. A descendência dos doentes que têm estas mutações genéticas têm 50% de risco de vir a desenvolver a doença, consoante tenham ou não o gene. Mas esses genes são muito raros; explicam menos de 1% de todos os casos de doença de Alzheimer.

Mas depois existe um conjunto de outros genes que são de predisposição – como acontece com outras doenças, como a hipertensão arterial ou a diabetes. Ou seja, aqueles genes sozinhos não são capazes de causar doença.

Se considerarmos os genes e os fatores do estilo de vida e outras patologias concomitantes, então a pessoa pode desenvolver a doença. Herdamos um risco maior de desenvolver a doença se tivermos vários familiares diretos que tenham a doença de Alzheimer.

Havendo esses genes de predisposição, significa que o nosso corpo já está predisposto a ter a doença, logo o estilo de vida e de alimentação vai ser fundamental, certo?

Fundamental. Fundamental. E, portanto, essas pessoas que têm pai, mãe, irmãos, vários elementos na família com doença de Alzheimer são precisamente as que têm que ter o máximo de cuidado e o estilo de vida o mais saudável possível.

E, quando surgem aqueles sintomas de que falámos há pouco, é altura de fazer a primeira consulta de rastreio.

Exatamente. Como eu disse, não há cura, mas há tratamentos e os tratamentos podem ter várias vertentes.

Há os tratamentos destinados a melhorar as nossas capacidades cognitivas, que são considerados medicamentos antidemenciais – assim são chamados. Na verdade, eles não curam o processo degenerativo, eles melhoram a memória e podem melhorar outras funções cognitivas e, sobretudo, atrasam a velocidade de declínio. Ou seja, fazem com que a curva descendente seja muito menos pronunciada.

Mas outro contributo importante do diagnóstico precoce e do acompanhamento é precisamente tratar aqueles sintomas cognitivos comportamentais de que eu falei quando falámos da parte clínica, que é tratar a depressão quando há depressão, tentar estimular o doente, inscrever o doente em programas de estimulação cognitiva, de fisioterapia se for preciso, tratar as alterações do sono, tratar a agitação, a agressividade se for necessário.

É, portanto, controlar também os sintomas que são mais incapacitantes para o doente – não só para melhorar a qualidade de vida do doente, mas também para melhorar a qualidade de vida dos familiares.

E quando se é confrontado com a notícia de que se tem alzheimer. Quais os efeitos para a pessoa e para os familiares, cuidadores?

O doente, na verdade, só tem verdadeira consciência se for um diagnóstico feito muito precocemente, numa fase inicial da doença. Infelizmente, muitos dos doentes que vêm à consulta já não têm uma verdadeira perceção do que significa ter doença de Alzheimer.

O doente tem o direito a ter o diagnóstico, sobretudo se tiver quiser saber qual o nome da sua doença. Tem esse direito. Mas, muitas vezes, quando transmitimos o diagnóstico, para a família é imediata a compreensão do que isso significa e para o doente não é assim tão claro.

Um dos problemas com esta doença é aquilo a que os médicos chamam a anosognosia – a incapacidade de reconhecer a sua própria doença. O doente percebe que tem esquecimentos, percebe que a cabeça está diferente, que não é capaz de fazer algumas coisas, mas não tem noção da gravidade da sua doença, da repercussão que esta doença tem, das consequências, e muitas vezes é difícil – mesmo quando utilizamos o nome 'doença de Alzheimer', mesmo quando explicamos ao doente o que é que ele tem e que tem que ser acompanhado – muitas vezes, é como se não tivesse compreendido completamente todas as implicações que isto tem.

Portanto, o doente muitas vezes não é quem vive com mais angústia a sua doença, é a família. A família sim, quando nós transmitimos um diagnóstico destes numa consulta, tem verdadeiramente um desgosto enorme e uma dificuldade às vezes em aceitar e em lidar nas fases iniciais; tem uma noção da gravidade do que é que este diagnóstico implica.

Eu digo muitas vezes que isto é mais uma doença da família do que do doente; às vezes, o doente está bem, não está angustiado de todo, apesar de ter sido feito um diagnóstico muito difícil.

E quais são os conselhos que dá aos familiares?

Os familiares precisam, normalmente, de ajuda. Consoante a fase da doença, precisarão de tipos de ajuda diferentes: precisam de aconselhamento, de saber o mais possível sobre a doença para poderem melhor reagir.

Deixe-me dar um exemplo prático: a nossa tendência quando uma pessoa se esquece é dizer 'mas esqueceste-te? Acabei de te dizer!'. Esta é a nossa tendência normal, mas isto não é útil, porque num doente com Alzheimer só vai gerar mais angústia. Ele não só se esqueceu, como ainda tem alguém a zangar-se com ele porque se esqueceu. E não vai modificar o comportamento futuro, ou seja, não vai fazer com que o doente da próxima vez não se esqueça outra vez.

Este tipo de pequenos truques de como lidar, como não criticar, de como reagir aos esquecimentos que o doente vai tendo, como lidar no dia-a-dia é muito importante que a família aprenda.

Há sessões de cursos, de aprendizagem, de formação, na literatura – há várias maneiras que os familiares têm de adquirir conhecimento.

Depois, é saber reconhecer alterações no seu familiar que podem ter manifestações bizarras. Por exemplo, uma infeção urinária pode-se manifestar com um quadro de agitação ou com uma dificuldade em andar e isso é preciso a família saber.

Portanto, ao longo da evolução da doença, o que a família tem que saber é como lidar com o doente, como reconhecer os sintomas, os sinais, quando deve recorrer ao médico ou quando pode resolver sozinho.

Por outro lado, outra coisa que a família precisa de saber é quando é que tem de ter ajuda. E as pessoas às vezes evitam pedir ajuda. Ter cuidadores, ter funcionários ou até institucionalizar os doentes. Às vezes, é preciso, em fases avançadas da doença, institucionalizar os doentes e a família pode hesitar.

Se pudermos ter as condições ideais de segurança em casa para ter o doente, ótimo; mas nem sempre isso é possível. Portanto, a família tem de ser ajudada progressivamente, à medida que a doença avança. E isto é diferente para todos os doentes. Os doentes são todos diferentes, têm todos as suas particularidades.

Logo quando o diagnóstico é revelado, como reagem os familiares emocionalmente?

Isto depende de familiar para familiar. A taxa de ansiedade e depressão nos familiares de doentes com demência é muito elevada. Há uma série de estudos sobre isso e há muitos cuidadores que sofrem de depressão – não só pela exaustão física do trabalho de supervisão e acompanhamento destes doentes, como pelo desgosto e pela necessidade permanente de lhes dar apoio.

Tem noção dessa taxa?

Anda à volta dos 70%. É uma taxa elevadíssima, muito muito superior à incidência de depressão na população em geral.

Muitos familiares precisam mesmo de acompanhamento médico, ou seja, precisam – independentemente dos conselhos que lhes possamos e dar e da informação que lhes possamos dar – de medicação ou de acompanhamento de um psiquiatra ou de um psicólogo; ou até o neurologista que segue o doente com demência pode optar por ver, como acontece muitas vezes, o familiar noutra consulta para ajudar.

vários aspetos positivos e importantes do ponto de vista psicológico que se pode transmitir a um familiar. Um dos aspetos é que isto é uma doença crónica, tem uma evolução muitas vezes lenta e, portanto, há muitos momentos bons e há doentes que até evoluem de uma forma relativamente benigna, sem grandes alterações de comportamento, sem grandes problemas.

O segundo aspeto é que muitas vezes o doente é quem está em menos sofrimento neste processo. Se tivermos um doente com uma dor crónica, uma dor oncológica muitas vezes há quadros de sofrimento absolutamente atrozes. E muitos doentes com doença de Alzheimer estão até felizes.

Nós perguntamos-lhes 'como é que se sente?', 'como está?' e eles respondem 'estou ótimo', 'eu sinto-me bem' e isso, de certa forma, é um consolo para nós e para os familiares – saber que o seu familiar, apesar de estar muito doente e precisar de muita ajuda, não está numa grande angústia, não está num grande sofrimento.

O terceiro aspeto ou reforço positivo que podemos transmitir é dizer aos familiares que estamos do lado deles, que estamos ali para os apoiar, que tudo o que pudermos fazer fazemos, não só na consulta mas fora, porque há outras instituições e outras entidades que dão apoio a estas doenças e muitas outras pessoas que sofrem com esta doença e que criaram grupos de entreajuda e que existem e estão na sociedade e que são importantes.

Tem noção de quantas pessoas e quantos portugueses são afetados por esta doença?

Sim, neste momento, o número de doentes com demência – ou seja, pessoas com deterioração cognitiva e dependência – em Portugal, ultrapassa os 200 mil. Se pensarmos que, havendo mais de 200 mil, haverá mais outras 200 mil pessoas que são os cuidadores envolvidos, temos mais de meio milhão de pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, nas demências.

E o que se estima é que, com o envelhecimento da população, o número de doentes possa triplicar até ao ano 2050 – ou seja, teremos mais de meio milhão de pessoas em Portugal, em 2050, com demência. E destes 200 mil, 70% são doença de Alzheimer, que é a causa mais frequente de demência.

A esmagadora maioria é Alzheimer. Sobretudo, nas pessoas com mais idade, a demência é provocada pela doença de Alzheimer.

A segunda grande causa de demência em Portugal é a demência vascular – as sequelas cognitivas de AVC – porque a doença cerebrovascular é muito prevalente no nosso país.

E depois vêm as outras doenças degenerativas, como a doença de Corpos de Lewy, a doença de Parkinson, as demências frontotemporais – outras doenças que também são bastante prevalentes, porque estes números são assustadores. isto é um problema de saúde pública, na verdade.

Acha que é a doença do século?

Acho que nos países ditos civilizados, com avanço nas suas condições de vida, em que houve efetivamente um envelhecimento da população e que temos uma percentagem muito elevada da população com mais de 80 anos, esta doença vai ser muito importante e, quando temos 40 anos ou 30, muitas vezes não pensamos como é que vai ser a nossa vida aos 80: se vamos ter condições adequadas para viver, se vamos ter quem possa cuidar de nós, se vamos capacidade financeira para gerir uma doença deste tipo e vamos ter de pensar nisto. As nossas sociedades vão ter de pensar nisto, porque isto vai ter um impacto social muito grande.

Acha que há alguma medida que se podia tomar já a partir de agora?

A primeira medida é fazer uma campanha de sensibilização, é mostrar estes números às pessoas, falar sobre esta doença às pessoas. Porque muitas vezes – eu vejo isto na consulta – mesmo pessoas diferenciadas, quando lhes digo 'o seu pai tem uma doença de Alzheimer', eles dizem 'nunca pensei que isto fosse assim'.

Isto pressupõe que não tinha conhecimento do impacto que estas doenças podem ter e da manifestação clínica e de como estas doenças surgem.

Esse é o primeiro passo. Depois são as medidas de prevenção, naturalmente, e depois é criar estruturas e condições para que estes doentes possam ser cuidados da melhor forma.

E, a par disto, gerar o máximo de interesse possível nas faculdades, nos centros de investigação, para que a investigação também avance, porque a solução ideal seria encontrar uma cura para esta doença. Não seria só tratar os doentes que já existem, seria encontrar uma prevenção eficaz ou uma cura para esta doença.

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