17 nov, 2021 - 18:48 • Sofia Freitas Moreira , Maria João Costa
Mario Vargas Llosa esteve à conversa, esta quarta-feira, com a jornalista da Renascença Maria João Costa, no âmbito da na Bienal Internacional de Poesia que decorre em Oeiras, no auditório do Templo da Poesia.
Um dos maiores nomes da história da literatura e Prémio Nobel em 2010, o escritor peruano abordou temas variados que foram desde o seu longo percurso, a sua admiração pela poesia (com destaque para o trabalho de Fernando Pessoa), até à pandemia, ao poder e aos perigos que a democracia enfrenta nos dias que correm.
Questionado sobre a crise migratória que a Europa atravessa, o peruano considera que o perigo destas crises na Europa e no resto do mundo está sempre presente. “Parece-me que há uma problemática que tem dividido o mundo entre países agressivos e países pacíficos e, na Europa, estamos a viver isso. Creio que o que é terrível é que se usem os pobres imigrantes dessa maneira abusiva como se tem utilizado”.
Para Mario Vargas Llosa, a ameaça maior que o mundo enfrenta é o nacionalismo, que, em “toda a história, foi o que causou mais estragos na humanidade”.
Dando o exemplo do trabalho da União Europeia, que acredita ser a forma mais sensata de lidar com a crise migratória, sustenta que “o espírito nacionalista tem de ser substituído por um internacionalista”.
“Agora sim, a guerra poderia destruir a humanidade e por isso é muito importante que não estalem novas guerras. E que as guerras que começam tenham uma localização muito precisa e sejam rapidamente paradas pela intervenção dos países que não estão a participar”.
Na América Latina, o peruano aponta a corrupção como o problema número um. “A honestidade dos nossos políticos deixa muito a desejar. A vida política converteu-se em algo a que associamos muito a corrupção. Então, as melhores mentes não querem ser políticos e assumir funções do Estado. Os problemas sérios na América Latina não são os recursos, são fundamentalmente políticos”.
Relativamente ao papel dos escritores na política do mundo, acredita que é através de problemas mais “permanentes, como a injustiça, igualdade, ditaduras, atropelos à liberdade” que a literatura se encarrega de temas políticos.
“A literatura não deve ser confundida com a política, porque expressa sempre uma insatisfação. A consequência de que não podemos fazer tudo, viver todas as experiências, viver completamente gozando todos os aspetos da vida, e creio que esta limitação é o que expressa a literatura. A imaginação, a fantasia”.
Ainda sobre este tema, Vargas Llosa acredita que os escritores não têm obrigação moral para intervir na política. “O argumento político na literatura é perigoso porque a literatura não trabalha a atualidade ou futuro, e a política tem a ver com a atualidade”, começa por explicar. “A literatura contribui para entender melhor o funcionamento de sociedades. O mais importante é a liberdade e que todos possam escrever sobre os temas que quiserem”.
Durante a pandemia de Covid-19, o escritor peruano diz ter aproveitado os longos meses de confinamento para se dedicar à leitura de outros nomes. “Tem sido muito produtivo, na verdade”, sublinha.
Para Vargas Llosa, “a pandemia mostrou as nossas limitações em termos de conhecimentos do ser humano e deixa um campo muito grande à medicina para completar, digamos, estas investigações, estudos, sobre as possíveis doenças que podem cair sob a humanidade”.
“A ideia das pragas tinha praticamente desparecido, e a pandemia mostrou que os nossos conhecimentos são limitados. Creio que vamos ser mais modestos no futuro e vamos dedicar muitos mais recursos à ciência”, sustenta.
Em 2014, a Universidade NOVA de Lisboa decidiu atribuir-lhe o título de Doutor Honoris Causa. Durante a visita a Lisboa, o escritor ficou a conhecer o trabalho de Fernando Pessoa, que considera “um dos grandes escritores do nosso tempo, um grande poeta.”
“É um dos grandes poetas do nosso tempo e seguramente continuará a ser lido, de tal maneira, que irá conquistando cada vez mais público. Levou uma vida muito discreta, trem o respeito e admiração de todos. Um grande poeta consegue fazer-nos sentir sentimentos que nem sabíamos que conseguíamos sentir. Acho que é o caso de Fernando Pessoa. O caso dele é muito interessante”.
Questionado sobre os métodos de escrita que utiliza, Vargas Llosa explica que, normalmente, as ideias que tem para os seus livros surgem das próprias experiências da vida. “Uma pessoa, uma aventura, algo que li”.
Os primeiros rascunhos escreve-os sempre à mão. Depois, quando passa as palavras para um computador, acaba por mudar muito do que fez. “É um trabalho que demora muito tempo e que me dá um infinito prazer”.
“Levanto-me todos os dias entre as 5h e as 6h da manhã, escrevo até às 8h. Adoro o silêncio do amanhecer. São as melhores horas do meu dia. Sou um escritor diurno”.
Para organizar as ideias, tem sempre um esquema que “nunca” respeita. “Necessito de ter essa ordem, que é artificial. Preciso desse plano, com as personagens principais, os lugares onde ocorre a história. Vou adaptando ao que vai surgindo, mas tenho sempre um plano que vou corrigindo e mudando constantemente à medida que vou tendo mais ideias”, explica.
No final da conversa, onde participou à distância através de videochamada, Mario Vargas Llosa deixou uma mensagem para os jovens que assistiam. “Leiam muito. A riqueza que dá uma leitura é algo incomparável, porque a leitura põe em exercício todas as forças que temos para não sermos animais, para sermos seres humanos. A imaginação, a sensibilidade, a fantasia. Convido-vos a serem mais leitores e a serem mais felizes do que são”.