06 nov, 2015 - 22:26 • Matilde Torres Pereira (entrevista) e Joana Bourgard (vídeo)
A mais recente longa-metragem de Nanni Moretti, "Minha Mãe", foi seleccionada em Cannes deste ano para a Palma de Ouro e abriu esta sexta-feira o Lisbon and Estoril Film Festival. Chega a 26 de Novembro às salas de cinema portuguesas.
O filme fala de uma mulher, Marguerita, realizadora de cinema, que está a braços com a rodagem de um filme, um namorado difícil e uma mãe que está a morrer lentamente no hospital. Giovanni, o irmão, interpretado por Moretti, é quem passa a maior parte do tempo com a “Mamma” enquanto Marguerita se vai desintegrando.
A mãe de Nanni Moretti, Agata Apicella, morreu em 2010. À Renascença, o realizador diz que, embora seja de alguma forma autobiográfico, não se trata de uma “autoterapia”.
Começando com o título do filme: "Minha Mãe". A sensação é que nunca percebemos quem é que está em causa - se é a pessoa, o actor, o realizador. O próprio Nanni Moretti percebe quem está em causa quando encarna estes papéis tão misturados?
Digamos que é um filme que eu sinto muito porque tem uma senda autobiográfica. Nunca pensei ser eu o protagonista. Não sei bem porquê, mas logo de início veio-me à cabeça esta história contada de um ponto de vista feminino. É isso. Desde o início veio-me à cabeça que o protagonista de "A Minha Mãe" deveria ser uma realizadora, não um realizador. Talvez desse modo conseguiria contar o que contei com mais relevo, mais luminosidade. É isso.
Porquê o olhar feminino? O que é que traz o olhar feminino?
Bem, a pergunta é muito interessante. Primeiro, é uma história contada de um ponto de vista feminino. Em segundo lugar, porque deste modo talvez a pudesse contar com maior lucidez.
Essa distância acontece também por causa da tal senda autobiográfica? É para conseguir chegar uma catarse ou estamos fora desse campeonato?
Era bonito dizer que este filme me ajudou a fazer o luto. Mas não foi assim. Não funciona assim. Pelo menos no que a mim me diz respeito. Os meus filmes não funcionam como uma autoterapia. Há tanto tempo, há tantos anos que faço filmes sobre os meus tiques, sobre as minhas manias, sobre os meus nervos, sobre as minhas obsessões, mas ficou tudo na mesma. Se eu lhe contasse os meus filmes...Não há uma função autoterapêutica no cinema.
Não é que seja repetitivo, mas há uma evolução talvez exponencial nos seus filmes. Já está muito à vontade no seu papel, é muito natural. Existem cenas em que se permite deixar ir? Estou a pensar na cena no hospital em que o Giovanni traz tupperwares para a "Mamma", traz o "parmegianno", dispõe tudo. Isso é escrito ou não é escrito?
Sim, essa sim, é uma cena escrita. Até porque eu não sou como o Giovanni. Na realidade não me viria à cabeça dizer todas aquelas coisas. No que a mim me diz respeito, não é certamente uma cena autobiográfica. Porque eu não sou...eu…eu não sei cozinhar. É isso. Eu sou muito mais como a Marguerita do que como o Giovanni. O Giovanni é o irmão que a Margarida queria ser...e provavelmente é também a pessoa que eu quereria ser. Mas tudo estava escrito, à excepção de algumas coisas que o [John] Turturro juntou à personagem que não estavam no guião.
Então é muito racional?
Sim.
Quando vejo um filme seu, parece que sou uma menina na igreja que de repente tem vontade de se rir e olha à volta e não sabe se pode rir ou não.
(Risos)
É um alívio, porque é libertador. "Habemus Papam" foi premonitório em muitos aspectos. Lançou-o dois anos antes de Bento XVI renunciar no Vaticano e foi muito sobre esta relação de um homem com o poder. Como é que viveu esses momentos depois do "Habemus Papam"?
Digamos que há uma coisa em comum entre o personagem de Michel Piccoli [o actor que representava o papel do cardeal Melville, eleito Papa] no "Habemus Papam" e a personagem de Marguerita Buy na "Minha Mãe": é sentirem-se inadequados.
É um tema comum nos seus filmes...
Na minha vida! (risos) Na minha vida pessoal é alguma coisa que conheço bem. É uma coisa muito cansativa e eu sinto uma certa inadequação, não só em situações públicas, mas também em situações privadas. Por isso, é uma coisa que começa a ser muito cansativa.
Mas no fundo, no "Habemus Papam", eu não queria fazer um filme contando ao público aquilo que já se sabia: os escândalos da pedofilia, o escândalo do Banco do Vaticano... Já esperavam aquilo, que alguém lhes contasse a fábula que já conheciam e que já tinham lido tantas vezes. Isto a mim não me interessava. Não me interessava dar ao público aquilo que já esperava.
Quis fazer uma crítica da instituição vaticana de um outro ponto de vista, de um ponto de vista humano. Isto é: um homem que dá um passo atrás porque não quer estar na varanda. Não quer ser Papa. E o seu recuo agita, de forma imprevista, toda a arquitectura do poder religioso, porque é um escândalo.
Uma coisa que me faz rir é que quando saiu o filme "Habemus Papam”, em 2011, muitas pessoas da área católica disseram: "Ah, não, um Papa nunca se demitiria! É um gesto vil, pouco corajoso! Não é possível! Nunca poderia acontecer!" Pausa. Dois anos depois, em 2013, Ratzinger demite-se, e as mesmas pessoas disseram: "Ah, que gesto corajoso! Que gesto revolucionário! Verdadeiramente, Ratzinger ensinou-nos muito!" Ou seja: devemos estar mais atentos ao cinema quando conta histórias que parecem inverosímeis.
A Igreja também mudou, sente isso?
Bom. (risos) Bom, parece-me que este Papa está a ser sério e que fará, verdadeiramente, uma limpeza. Encontrará resistências, certo, mas penso que irá por diante.