04 mar, 2022 - 07:26 • Maria João Costa
Jangada é um disco que nasceu fruto da pandemia, em que, sem concertos, os músicos Mário Laginha, Bernardo Moreira e Alexandre Frazão tiveram mais tempo para criar. Mas Jangada é também um álbum que chega ao mercado numa altura em que a Europa vive a guerra dentro das suas fronteiras.
Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, Mário Laginha confessa estar “em estado de choque” com o que está a acontecer com a invasão da Ucrânia pela Rússia. “Desassossega-me totalmente, assusta-me e entristece-me”, diz Laginha sobre as notícias que vê diariamente.
“Vivemos umas décadas a seguir à Segunda Guerra Mundial em que achávamos que a paz, pelo menos aqui na Europa, era definitiva. Tínhamos alcançado um equilíbrio suficiente para que não voltasse a acontecer uma guerra” aponta o músico, que acrescenta “não achávamos que um país poderia atacar outro”.
Perante a atualidade e questionado se ela o inspira a criar, Mário Laginha explica que quando está “em estado de choque” não tem vontade de fazer música. Compor “é um ato tão feliz”, diz Laginha que neste momento sente que “parece que estão a cortar o prazer de estar sentado ao piano a fazer música”.
Mas compor, criar e tocar piano fazem parte da natureza do músico de jazz. “É o meu modo de existir. Eu hei de escrever música. Acho que tudo o que nos rodeia influencia profundamente o que fazemos, por isso acho que a música que farei daqui para a frente vai ter de estar também influenciada pelos acontecimentos”, admite Laginha.
Jangada é o terceiro disco do trio que junta o pianista Mário Laginha, o baterista Alexandre Frazão e o contrabaixista Bernardo Moreira. O título do álbum nasceu de uma clara referência à obra literária de José Saramago e ao livro “A Jangada de Pedra”.
“Partiu de um desafio da Fundação José Saramago” indica Laginha. Nesta entrevista, o músico explica que na sua cabeça, jangada “é uma boa metáfora” sobre a sua música. “O que faz flutuar uma jangada é um conjunto de troncos. Cada tronco é uma das minhas influências. A principal é o jazz, mas depois vem o clássico, as músicas portuguesa, brasileira e africana”, detalha Mário Laginha.
O compositor que diz navegar musicalmente nestas diferentes influências, diz que elas estão “mais ou menos evidentes neste disco”. A ausência de concertos devido à pandemia levou a que o trio se reunisse semanalmente para tocar. Destes encontros foi nascendo obra nova.
“A música está sempre em movimento” refere o pianista que explica como a pandemia marcou este novo trabalho musical. “Uma pessoa que escreve música vai somando influências e estados de alma. A música nunca é igual” aponta Laginha.
Se o álbum anterior era dedicado a Chopin, neste voltaram aos originais. A justificação é simples: “É o facto de termos estado a tocar semanalmente durante uns meses, às vezes era só improvisar, experimentar temas novos, mudar isto e aquilo”.
Neste trabalho criativo foram fundamentais na opinião de Laginha, o trabalho de Alexandre Frazão e Bernardo Moreira que tiveram segundo as suas palavras, “uma influência gigante porque vão dando ideias”.
Sobre Jangada, o pianista considera que “se assemelhasse mais ao modo de como tocamos ao vivo, em cima de um palco”. O disco marca a estreia discográfica em nome próprio de Mário Laginha na prestigiada editora britânica “Edition Records”.