25 mar, 2022 - 21:45 • Maria João Costa
Com 50 anos de carreira, o músico Ivan Lins afirma que hoje “a cultura brasileira está entregue a si própria”. Em entrevista à Renascença, na véspera do concerto que dará em Lisboa a 7 de abril no Tivoli BBVA, o artista fala do poder das canções como resposta à política e considera que “através da música e da participação em eventos” pode contribuir para “esclarecer o grande público votante sobre o que está acontecendo no país”.
Perante um governo que “rompeu as leis que protegiam a cultura brasileira”, Ivan Lins lamenta que sejam uma “turma” de “medíocres, incapazes, de nível baixo. Questionado sobre as eleições presidenciais de outubro, o autor de ‘Iluminados’ diz ter muita esperança na mudança. Considera que a eleições de Jair Bolsonaro foi “um acidente” na vida do Brasil. Sobre o presidente brasileiro é perentório: “Um psicopata como Bolsonaro, age exatamente como age Putin que é outro psicopata. Esse psicopata não muda de ideia, ele vai até ao final com as suas convicções!”, lamenta Lins.
Retido em Portugal há dois anos quando a pandemia eclodiu, Ivan Lins regressa agora a Lisboa e diz ter saudades do seu público português com quem tem uma relação cúmplice. Os dias de confinamento não forma inspiradores para compor. Agora quer dar um “abraço musical” ao público.
Este regresso a Portugal agora com um concerto no próximo dia 7 no palco do Tivoli BBVVA marca o arranque depois da paragem que a pandemia impôs. Tinha saudades do palco?
Sim! Quando a pandemia pegou, eu estava aqui em Portugal. A data em que ia regressar ao Brasil, foi cancelada e tive que ficar aqui para meu prazer, mas não podia curtir Lisboa porque tinha que ficar em casa. Como eu gosto muito daqui, até ficando no apartamento, mas falando com os meus amigos que eu adoro, deu para sobreviver um pouco. .
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Depois quando fui para o Rio de Janeiro, aí a coisa ficou muito pior. Mas depois ficou a saudade. Quando fui para o Rio, não pude mais voltar. Agora estou aqui e não vejo a hora de abraçar com a minha música esse público que é muito bom.
Como vai ser este espetáculo?
Vamos falar de amor, em todas as formas! Amor à pessoa amada, amor à família, amor ao país, amor à natureza, amor a todas as coisas que nos fazem bem e que nos deixam felizes e que possam curar, ou remediar, sentimentos que estejam impregnados dessa realidade que estamos vivendo. É uma realidade que está muito dolorosa, muito desagradável. O mundo todo está assim. Acho que é a hora da gente vir com mensagens bastantes significativas, falar de amor e deixar que as pessoas saiam do teatro aliviadas, com uma sensação boa. Vamos passar mensagens boas para as pessoas. Isso é muito importante agora.
O músico, o artista tem essa obrigação, responsabilidade e missão de ajudar o público a ultrapassar momentos difíceis como os da pandemia e agora da guerra?
Sim, acho que a música cura. A música salva. As pessoas não conseguem viver sem ela! Se você tirar a música do planeta, o planeta acaba rapidinho. Termina logo! A música está no ar. A música é transformadora, transforma o cidadão, tem essa capacidade de levar mensagens e de dar uma sensação de leveza.
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A música é muito realista. Quando você canta para as pessoas, aqui ao vivo, é igual ao jornalismo, é aquilo que está acontecendo ali na hora. E é bom você estar ali perto do seu público e o público estar perto do artista, porque está vivendo aquilo naquela hora. Não tem "videotape", não tem recursos.
É muito real e verdadeiro?
É muito verdadeiro. Eu faço música para isso, para abraçar as pessoas com ela!
Conseguiu compor durante a paragem da pandemia?
Compus pouco, por incrível que pareça, porque fiquei em casa. Na verdade, tínhamos que continuar trabalhando, dizendo para as pessoas que não morremos. Na internet fizemos lives, entrevistas através do Zoom, do Skype, em todas essas plataformas de comunicação. Mas foi chegando ao ponto onde você vai cansando, porque falta esse contato. No meu caso, até entrei em depressão. Não conseguia tocar, compor, fazer nada. Foi uma fase difícil, mas aos poucos a música foi voltando e com a perspetiva de que a situação ia melhorar, a motivação foi aumentando. Essa motivação vinha muito daqui.
Do seu público português? Que incentivo lhe deu?
Nesse período eu estava no Brasil e através das pessoas que me assistem aqui em Portugal, eles mostraram que haveria uma possibilidade grande de eu voltar a cantar com o meu público daqui e isso me motivou muito.
Que relação é essa que tem com o público português?
É muita cumplicidade. Eu venho a Portugal há 41 anos. Portugal faz parte da minha vida, é a minha segunda pátria. Sou cidadão português e quando estou aqui, ela é a minha primeira pátria.
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Tinha anos em que eu vinha duas e três vezes a Portugal. Deu-me muita intimidade com o púbico. Aprendi a gostar e compreender, entender como o público reage. A primeira vez que eu estive aqui, o público foi tão, mas tão, caloroso. Em 1981 descobri que estava numa terra que me pertencia. É muito bom cantar em português.
Tem ascendência portuguesa?
Pelo lado da minha mãe, sim.
Como está a situação dos artistas no Brasil? Há muita perseguição à cultura com o atual governo Bolsonaro? É fácil dar um concerto no Brasil?
Se você consegue patrocínio...sim, mas está muito difícil. O governo rompeu as leis que protegiam a cultura brasileira e davam a oportunidade de investimentos através da iniciativa privada para financiar espetáculos de música.
Eles são tão ridículos! Você não imagina o que é. São pessoas absolutamente medíocres, incapazes, de nível tão baixo.
Essa lei ajudava-nos muito. Facilitava muito os investimentos privados através de redução nos impostos. Era mecenato. Elas abriam mão de parte do imposto para ser investido na cultura. Esse governo acabou com tudo.
Que avaliação faz do governo de Jair Bolsonaro?
Eles são tão ridículos! Você não imagina o que é. São pessoas absolutamente medíocres, incapazes, de nível tão baixo. É tão difícil você achar uma pessoa inserida em cultura que seja de extrema-direita. Não existe isso! É muito difícil você achar uma pessoa que realmente esteja engajada em cultura de uma maneira democrática e livre e seja de extrema-direita! Não existe! Então eles foram pegar os "pouca-práticas" que estavam andando por lá e que eram de direita, conservadores e reacionários e o presidente botou essas pessoas lá. Elas fazem verdadeiras barbaridades! A cultura brasileira está entregue a si própria. Os investimentos que estão a ser feitos saem do bolso dos produtores.
Os artistas estão quase a pagar para atuar?
Está todo o mundo fazendo bilheteria, ninguém tem mais cachet e patrocínio. Nesses 4 anos que desse psicopata, a gente tem de bancar tudo do nosso bolso, mesmo! Mas está dando muito certo, porque na verdade eles esqueceram que o público está ávido, então está dando para ganhar dinheiro (risos). Estão a lotar tudo! Todo o mundo está fazendo show e eles enchem assim absurdamente.
A cultura brasileira está entregue a si própria. Os investimentos que estão a ser feitos saem do bolso dos produtores.
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As pessoas passaram quase dois anos sem poder entrar num teatro para ver um espetáculo ao vivo, e então estão a lotar tudo! Está sendo ótimo. A gente não sabe até quando isso vai durar. O regresso do público aos teatros só começou agora em fevereiro. Estão a acontecer vários espetáculos, todos só com o lucro de bilheteira e estão todos esgotados. Vamos ver até quando dura...
Tem esperança nas eleições presidências de outubro? Acha que vão mudar o rumo do Brasil?
Tenho! Muita, muita, muita esperança! Demais! Não é possível uma sociedade que consiga conviver com a barbaridade que essa turma transformou o nosso país. Essa tragédia ambiental que está havendo, o completo desrespeito à cultura brasileira, essa discriminação racial, de género é uma barbaridade.
Nesses 4 anos que desse psicopata, a gente tem de bancar tudo do nosso bolso, mesmo! Mas está dando muito certo, porque na verdade eles esqueceram que o público está ávido, então está dando para ganhar dinheiro
Acho que isso vai ter de acabar, porque o Brasil nunca foi isso que está lá! Nunca foi! Abriu-se uma exceção, foi um acidente por causa de um governo anterior que foi mau e a justiça brasileira através do juiz Sérgio Moro, ele politizou a justiça para acabar com a concorrência de uma pessoa que era o Lula [da Silva]. Ele infringiu todas as leis, todos os dogmas, ele ofendeu os poderes, principalmente o poder judicial. Politizou o poder judicial e esse poder não pode ser politizado. Tem de ser imparcial.
O Ivan Lins tem 50 anos de carreira. Qual o poder de um artista como voz política?
É através da nossa música e da nossa participação em eventos que possam atingir e esclarecer o grande público votante sobre o que está acontecendo no país. Um psicopata como Bolsonaro, ele age exatamente como age Putin que é outro psicopata também. Esse psicopata não muda de ideia, ele vai até ao final com as suas convicções! Evidentemente que quando ele muda de atitude é por força maior de um grupo que apoia ele e que pede. Ele muda, mas não acredita que está mudando. Ele apenas usa isso como uma arma para depois voltar atrás.
Não é possível uma sociedade que consiga conviver com a barbaridade que essa turma transformou o nosso país. Essa tragédia ambiental que está havendo, o completo desrespeito à cultura brasileira, essa discriminação racial, de género é uma barbaridade.
Eles mentem muito! Deliram muito! Transformam mentiras em verdades, bombardeiam a média digital para transformar a mentira em verdade, mas não estão conseguindo convencer a sociedade brasileira, por isso tenho muita esperança que essa figura trágica finalmente desapareça da nossa vida