13 abr, 2022 - 07:26 • Maria João Costa
Aprendeu o conceito de liberdade com a sua avó. Ainda hoje, aos 89 anos diz que “a liberdade é o princípio e o fim de todas as coisas”. Maria Antónia Palla guarda por isso uma “enorme amargura” com a decisão do encerramento da Caixa de Previdência de Jornalistas que dirigiu durante 12 anos. Lembra que havia “a liberdade de escolher o médico” onde se ia.
Em conversa com o podcast da Renascença, Avenida da Liberdade Maria Antónia Palla explica que essa amargura é redobrada quanto ao fim da Caixa de Jornalistas decretado há mais de 10 anos. “Sinto uma enorme amargura sobretudo porque foi feita no tempo de um Governo socialista. Isto não é de todo, o socialismo democrático. Ficávamos mais baratos ao Estado, do que cada cidadão no Serviço Nacional de Saúde!”
Mas não é só esta a mágoa que Maria Antónia Palla guarda na memória. Também dos tempos depois do 25 de abril recorda-os como “um período horrível” e justifica com o facto de “o Partido Comunista, certos pequenos partidos e movimentos de extrema-esquerda queriam substituir a ditadura por uma ditadura do proletariado.”
Nesses tempos conturbados fala da amargura o fecho do Jornal O Século. “Eu sei o que eles pensam, são os trabalhadores que pensam como eles. Quem não pensa, não tem sequer direito a trabalhar. E foi isso que nos fizeram dentro do Século. Fizeram tais coisas que levaram ao fecho da maior empresa jornalística portuguesa! Para mim é um desgosto que nunca me passou”, diz com voz embargada.
Quase 50 anos depois do 25 de abril de 1974, Maria Antónia Palla considera que há hoje novas ameaças à liberdade e que esse bem conquistado com a revolução tem de ser cuidado. “Temos de defendê-la todos os dias”, diz a jornalista assumindo a sua “posição como socialista feminista”.
Na madrugada do 25 de abril de 1974, eram 6 da manhã quando o telefone tocou em casa de Maria Antónia Palla. “Era uma gráfica a dizer 'Olhe, Maria Antónia, parece que há uma revolução na rua”, conta a jornalista que então trabalhava para o jornal O Século.
“Arranjei-me, arranjei o meu filho e fui pô-lo a casa de uma amiga que vivia perto de mim e que tinha três filhos”, lembra Maria Antónia Palla, mãe do atual primeiro-ministro António Costa. Depois seguiu caminho até à redação.
Mas a jornalista ficou pouco tempo no jornal, saiu à rua e percorreu a cidade “tudo a pé”, recorda. Sobre como foi ser jornalista naquele dia conta: “Imagine que não havia nessa altura telemóveis, portanto, nos sítios por onde passávamos ou tomávamos um café pedíamos para telefonar para a redação”, esperando que os colegas tomassem notas sobre o que estava a acontecer.
Da Praça do Comércio ao Largo do Carmo, recorda cada passo que deu. No Largo do Carmo assistiu a tudo de um andar onde funcionava um escritório de advogados e lembra em particular as palavras que o seu colega Francisco Sousa Tavares proferiu naquela praça, mas também traz à memória o medo que sentiu quando viu serem entregues garrafas de álcool aos manifestantes que ali estavam há horas. Temeu o pior, mas não passou disso mesmo.
“Começamos aquele dia a acreditar que era o último dia da ditadura. De facto, o nosso desejo cumpriu-se”, conclui Maria Antónia Palla sobre um dia ou melhor, dias que foram longos.
Questionada sobre como era ser jornalista no tempo da censura, Maria Antónia Palla, uma das primeiras mulheres jornalistas em Portugal conta que “mesmo antes do 25 de abril, havia jornalistas mais à esquerda, outros mais à direita e outros mais ao centro”, no entanto, explica que “havia uma certa união em relação à censura” e remata: “Nós não queríamos censura”.
Sobre como se escrevia notícias com os censores à perna, a repórter afirma: “Não me considero um mártire da censura, porque aprendi a escrever para a censura. E o povo português é suficientemente esperto para perceber tudo nas entrelinhas”.
Conversadora, Maria Antónia Palla gosta ainda hoje de reviver as memórias daqueles tempos. A conversa já pode ser escutada no novo episódio do Podcast Avenida da Liberdade, disponível nas plataformas digitais.