01 jun, 2022 - 07:00 • Maria João Costa
A famosa tiara da rainha D. Maria II que o Estado português não conseguiu arrematar num leilão internacional e que foi adquirida por um colecionador privado estrangeiro é uma das joias expostas no Museu do Tesouro Real que, esta quarta-feira, é inaugurado pelo Presidente da República, primeiro-ministro, ministro da Cultura, presidente da autarquia de Lisboa e presidente adjunto da Associação de Turismo de Lisboa, José Luís Arnaut.
A peça com cinco safiras e mil e 400 diamantes que foi vendida pela leiloeira Christie’s por mais de 1,3 milhões de euros, no ano passado, e vai estar em Lisboa durante um ano, no âmbito de um empréstimo que o Estado conseguiu assegurar para o primeiro ano de vida do Museu do Tesouro Real que vai ocupar a nova ala do Palácio Nacional da Ajuda.
O museu que abre com a expetativa de ter num ano 275 mil visitantes, 60 por cento dos quais estrangeiros, vai mostrar um total de 736 peças, 400 das quais nunca antes vistas pelo público. Visitar este museu obedece a fortes medidas de segurança. Desde logo a entrada tem detetor de metais e as portas de acesso têm reconhecimento facial.
Passada a entrada, um elevador leva o visitante até ao terceiro piso. É aí que está a imponente caixa-forte com 40 metros de comprimento, por 10 de largura que se estende por vários pisos. É uma das “maiores caixas-fortes do mundo”, assegura o museu que indica que as portas blindadas têm 5 toneladas cada, e, um sofisticado sistema de videovigilância, com vidros à prova de bala.
Não é razão para menos, já que este museu guarda uma coleção que já sofreu um avultado roubo há 20 anos, quando algumas peças, entre elas um diamante em bruto, foram roubadas de uma exposição em Haia. A indemnização que Portugal então recebeu, serve agora, em parte, para o financiamento do Museu do Tesouro Real.
A obra custou 31 milhões de euros, sendo o grosso da verba, 18 milhões de euros, proveniente do Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa – pago em parte pela taxa turística. A Associação de Turismo de Lisboa que fica com a gestão operacional e turística do museu investiu 9 milhões de euros e o Ministério da Cultura, através da Direção-Geral do Património Cultural, entrou com 4 milhões e 800 mil euros.
A construção que faz o remate da ala poente do Palácio Nacional da Ajuda é da autoria do arquiteto João Carlos Santos e põe fim a uma obra inacabada há 226 anos. Lá dentro, o visitante, que terá um bilhete geral no valor de 10 euros, vai poder ver um espólio cheio de História e histórias.
O que vai poder ver dentro da caixa-forte
São 11 núcleos divididos por 3 pisos. Num ambiente de paredes pretas, com uma iluminação muito focada sobre cada peça, o visitante vai primeiro conhecer uma cronologia da história do Tesouro Real.
Para arregalar o olho, a exposição começa, depois de percorrido o corredor cronológico, com uma vitrine que mostra a matéria-prima. Na visita à imprensa, o diretor científico do Museu, também diretor do Palácio Nacional da Ajuda, José Alberto Ribeiro explica que “são pepitas de ouro que faziam parte do tesouro da Casa Real”. A essas pepitas segue-se outro exemplo, uma “pequenina pedra, é um diamante de 34 quilates”, diz Ribeiro
Este é “o segundo maior diamante da coleção”, já que o primeiro foi roubado em 2002, numa exposição de joias em Haia, na Holanda, e nunca foi localizado. A este núcleo da matéria-prima, vinda sobretudo do Brasil, segue-se um núcleo dedicado a moedas e medalhas. Uma das moedas que se destaca pelo seu tamanho é uma mandada cunhar pelo Rei D. Filipe IV de Espanha “com as suas armas e o escudo português em cima, uma peça única a nível internacional”, sublinha o diretor.
Ainda no primeiro piso da visita, o público vai poder ver um importante e rico acervo de joias da Coroa, pertencentes a diferentes membros da família real ao longo dos séculos. É aqui que se encontra uma das joias mais valiosas da coleção.
“A Insígnia rica, ou o Tosão de Ouro Grande de D. João VI tem uma vitrine só dedicada a ela”, explica o conservador que indica que o visitante pode mesmo ver a frente e verso desta joia, a que se juntam outras que José Alberto Ribeiro destaca como as mais valiosas da coleção, como “a laça das esmeraldas que pertenceu à rainha de Espanha Maria Bárbara de Bragança, a Ordem da Grande Cruz e a placa de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, feita para aclamação de D. João VI em 1818 no Rio de Janeiro".
Com outros núcleos dedicados às Ordens Honoríficas e às Insígnias Régias, onde o visitante vai poder ver, entre outras coisas, a Coroa Real e dois importantes mantos reais, o Museu do Tesouro Real mostra também num piso intermédio, um conjunto de salvas de prata, muitas delas salvas do Terramoto de 1755 e um núcleo dedicado às ofertas diplomáticas, onde figuram ofertas de diferentes papas.
No piso superior, o visitante vai poder ver a famosa Baixela Germain, “encomendada em 1756 pelo Rei D. José ao maior ourives de Paris”, o francês François-Thomas Germain. Na visita o diretor do museu explicou a importância deste imponente conjunto que é mostrado, como se a mesa estivesse posta.
“Estamos a falar de peças que valem como micro-arquitetura, são peças de grande qualidade”, diz José Alberto Ribeiro que explica que para os grandes conhecedores desta ourivesaria como os especialistas do Louvre Artes Decorativas “é sempre um fascínio ver a baixela, porque os franceses derreteram quase tudo o que tinham de prata rococó, durante as revoluções e os vários períodos de guerra”.
“Vida atribulada” teve também o Tesouro Real português, refere o diretor do museu. Quando “D. Miguel estava a perder a guerra civil, levou em 40 carros de bois o Tesouro Real, pelo Alentejo, até ao Forte de Elvas. Depois a vinda outra vez do Tesouro. O D. Pedro que mandou caixas com peças de prata para o Banco de Inglaterra”, são exemplos de situações em que as joias andaram em bolandas.
A fechar a visita ao Museu do Tesouro Real estão um conjunto de caixas de madeira, onde essas peças viajavam. Mas há também peças que não chegaram a conhecer a luz do dia, que foram derretidas para pagar dívida publica, ou que foram alienadas e estão hoje em coleções particulares ou em parte incerta.
Para o diretor do museu, ver este Tesouro Nacional é descobrir peças que são “símbolos nacionais” e que sobreviveram a um terramoto, a roubos e até mesmo a revoluções. Questionado pela Renascença sobre uma política de empréstimo de peças, José Alberto Ribeiro, é categórico: “Não temos política de empréstimo para lado nenhum”.
O Palácio de Versalhes que vai ter uma grande exposição pediu uma das peças, uma Caixa de Tabaco toda cravada a pedras preciosas, “encomendada por D. José ao ourives de Luís XV”, e a resposta do diretor foi um rotundo “não”. José Alberto Ribeiro dá como exemplo o caso britânico para dizer que “quem quer ver as joias, vai a Londres visitá-las”.
A abertura ao público é a partir de quinta-feira, às 10h e até às 19h, em horário de verão. A entrada geral custa 10 euros, e no futuro terá um bilhete conjunto com o Palácio Nacional da Ajuda. Os menores até aos 6 anos não pagam, já os jovens dos 7 aos 24 anos e os maiores de 65 anos pagam 7 euros de entrada. Há um bilhete família de 32 euros e um bilhete de 2 euros para escolas.