08 jun, 2022 - 14:22 • Marta Grosso com redação e Lusa
“O sucesso nunca subiu à cabeça” de Paula Rego, garante o galerista Rui Brito, que mantinha uma ligação próxima com a pintora. À Renascença, recorda que Paula Rego sempre fez questão de levar o nome de Portugal além-fronteiras. Será sempre uma das artistas mais importantes da sua geração, diz no dia em que a artista morreu.
“Ela sempre foi extremamente generosa. O sucesso nunca lhe subiu à cabeça, o mais importante para ela era desenhar, estar no ateliê. Tinha essa generosidade com Portugal, não só pelos modelos que usava nas suas obras, que eram figuras claramente portuguesas mesmo quando as histórias são a partir de contos ingleses. Ela sempre teve esse carinho por Portugal e praticamente há quatro anos que não vinha a Portugal e sentia essa falta”, afirma.
“Na galeria fizemos uma exposição dela em novembro a que chamámos 'Saudades' porque ela sentia essa falta”, acrescenta.
Na memória, só ficam boas histórias de uma pintora que também tinha sido de humor, garante Rui Brito.
“Nos anos 80, Portugal não tinha acesso a uma série de coisas que em Inglaterra se conseguia ter e lembro-me de uma vez a Paula Rego ter-me trazido umas cápsulas que hoje são perfeitamente banais – umas cápsulas que se mastigam para simular que o sangue está a escorrer da boca. A Paula Rego sentava-se comigo, dava-me aquele presente e dava-me instruções de como eu deveria proceder: quando eu estivesse na galeria e quando me apercebesse que estava lá um cliente muito especial, que mastigasse muito bem mastigada a cápsula e quando estivesse o sangue a escorrer, que aparecesse a gritar, muito aflito, para ficar toda a gente em pânico”, conta.
“A Paula Rego vivia rodeada de histórias, construía as suas histórias na sua cabeça e depois partilhava com as pessoas que lhe eram mais próximas”, resume.
Lembro-me de uma vez a Paula Rego ter-me trazido umas cápsulas que se mastigam para simular que o sangue está a escorrer da boca. Sentou-se comigo e deu-me instruções de como eu deveria proceder quando aparecesse um cliente muito especial
O ministro Pedro Adão e Silva manifesta profundo pesar pelo falecimento de Paula Rego, nesta quarta-feira, e presta a sua homenagem à artista, destacando a qualidade maior da sua obra, tanto no plano nacional quanto internacional.
“Tendo vivido desde muito jovem em Londres, a pintora construiu um percurso singular nas artes plásticas, em que a forte ligação à experiência portuguesa se reflete reiteradamente no seu trabalho. Artista da metáfora e do real, explorou o humano com múltiplas ressonâncias sociais, psicológicas e existenciais. Foi uma artista fortemente comprometida com as grandes causas do seu tempo”, lê-se na nota enviada às redações.
O ministro da Cultura aponta ainda a presença da artista “na Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE) através de oito das suas extraordinárias obras”, tendo desempenhado “um papel fundamental na internacionalização da cultura portuguesa e deixou como particular legado ao seu país a Casa das Histórias, que temos o privilégio de ter em Cascais”.
Paula Rego morreu nesta quarta-feira de manhã, em Londres, aos 87 anos. Estudou nos anos 1960 na Slade School of Art, na capital britânica, onde se radicou definitivamente a partir da década de 1970, mas com visitas regulares a Portugal.
Em 2009, inaugura a Casa das Histórias, em Cascais. Em 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural do Governo de Portugal.
O presidente da Câmara de Cascais, concelho onde se situa a Casa das Histórias Paula Rego, vai decretar um dia de luto municipal na quinta-feira pela morte da pintora, anunciou a autarquia.
"A Câmara Municipal de Cascais, por decisão do seu presidente, vai decretar um dia de luto municipal para amanhã, 9 de junho", é referido numa nota publicada na página do equipamento cultural na rede social Facebook.
Na nota, o autarca Carlos Carreiras e o presidente do conselho diretivo da Fundação D. Luís, Salvato Teles de Menezes, lamentam a morte da pintora e reiteram condolências à família.
"Tudo faremos para honrar a sua memória através das atividades programadas e a programar na Casa das Histórias Paula Rego", referem.
No comunicado, Carlos Carreiras e Salvato Teles de Menezes destacam que a "cultura portuguesa perde assim uma das suas mais importantes e irreverentes criadoras, alguém que se distinguiu como mulher, ser humano e artista".
Destacam igualmente a sua vida, o percurso profissional e o seu estilo artístico.
"Em 2009, foi inaugurada em Cascais a Casa das Histórias, com projeto do arquiteto Eduardo Souto Moura, um museu dedicado à obra de Paula Rego, que, desde então, acolheu inúmeras e importantes exposições da sua obra", é referido na nota.
A Casa das Histórias Paula Rego é um equipamento que integra o Bairro dos Museus de Cascais (distrito de Lisboa), sendo gerido pela Fundação D. Luís I.
À Renascença, o presidente da Câmara de Cascais diz que a pintora sempre lutou para que as suas obras ficassem em Portugal e garante que a autarquia vai reforçar a presença das obras da artista no município.
“A Casa das Histórias Paula Rego, não só tem tido cada vez uma maior adesão de visitantes, como tem tido, dentro do nosso processo de educação cultural no concelho, muitos jovens a frequentarem a Casa das Histórias, que era um desejo da pintora”, diz.
Carlos Carreiras recorda “uma senhora de grande generosidade, de grande carinho, de uma profunda amizade por Cascais”. E aponta um episódio, durante a altura da troika, em que o autarca receou “perder todo o legado de Paula Rego em Cascais”. Tudo correu bem, com a ajuda da família, e a pintora escreveu “um cartão, em que não só manifestava o seu regozijo por termos encontrado esse caminho, mas que me pedia para eu tratar bem os seus desenhos. São as palavras dela que guardo com carinho e tenho tentado cumprir essa missão”.
O Presidente da República foi o primeiro a reagir à morte de Paula Rego, destacando, em Braga, onde se encontrava de visita, a sua projeção no mundo.
"É uma perda nacional. Certamente eu falarei com o senhor primeiro-ministro para ponderar como assinalar em termos de luto nacional essa perda, porque tem uma projeção muito longa, muito rica e muito prestigiante para Portugal", disse o chefe de Estado.
O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, lamenta a morte da pintora Paula Rego e considera que cada quadro seu constituiu "um dardo atirado" contra o preconceito, a dominação e a indiferença.
Na sua conta na rede social Twitter, o presidente da Assembleia da República deixa um agradecimento: “Muito, muito obrigado, Paula Rego”.
O PSD expressou nesta quarta-feira o pesar do partido e do seu presidente, Rui Rio, pela morte da pintora Paula Rego, que classificou como "figura de referência da pintura nacional".
"Foi com consternação que o Partido Social Democrata recebeu a notícia do falecimento de Paula Rego", refere o partido em comunicado.
No texto, os sociais-democratas recordam a artista como "figura de referência da pintura nacional", que se destacou "no panorama internacional pelo seu trabalho, tendo recebido várias distinções e deixando uma marca indelével" na cultura nacional.
"Nesta hora de pesar, a direção do Partido Social Democrata, na figura do seu presidente, Rui Rio, expressa a toda a família o seu mais sentido pesar", acrescenta a nota.
A Fundação Calouste Gulbenkian lamenta "profundamente" a morte da pintora Paula Rego, aos 87 anos, em Londres, classificando-a como "uma das mais extraordinárias artistas nacionais", com quem manteve estreitos laços desde sua bolseira, nos anos 1960.
A artista morreu em casa na manhã desta quarta-feira, junto dos filhos, indicou à agência Lusa o galerista Rui Brito.
Em comunicado, o conselho de administração da Fundação Gulbenkian relembrou a "ligação histórica" da entidade a "uma artista ímpar no panorama internacional, que deixa um legado inesquecível".
A instituição exprime ainda "orgulho pela recente aquisição da sua icónica pintura 'O Anjo´" (1998), que em fevereiro deste ano reforçou a coleção do Centro de Arte Moderna (CAM), a par de "O Banho Turco" (1960), "tornando a Gulbenkian na instituição privada com o maior e o mais significativo acervo da artista", constituído por 37 obras, entre pintura, desenho e gravura.
Na altura, Paula Rego exprimiu a sua "grande felicidade" por saber que dois dos seus quadros mais importantes "iriam viver na Gulbenkian", recordou a fundação no comunicado enviado à Lusa.
"Uma gratidão que fazia sempre questão de sublinhar desde que foi bolseira da fundação", acrescenta.
Paula Rego foi uma das artistas portuguesas mais p(...)
O conselho de administração aponta ainda que a morte de Paula Rego ocorre "numa etapa decisiva da sua consagração internacional, após ter exposto com enorme êxito mediático em Paris", no museu L'Orangerie, em 2018, em Londres, na Tate Britain, em 2021, e no Kunstmuseum, de Haia.
Recentemente, a mesma mostra foi inaugurada no Museu Picasso de Málaga, tendo uma representação especial na Bienal de Arte de Veneza, onde a curadora-geral, Cecilia Alemani, decidiu dar-lhe destaque nesta edição com uma sala própria.
Atualmente, a sua obra integra também a exposição "Tudo o que eu Quero. Artistas Portuguesas de 1900 a 2020", em Tours, França.
"Unida pela coerência e consistência dos temas e pela inconfundível marca da sua identidade, a obra de Paula Rego - desde o final dos anos 1950, ainda enquanto estudante na Slade School, até aos dias de hoje -, tem atravessado uma compulsiva necessidade de se renovar formalmente, com vários ciclos identificáveis e temporalmente definidos", assinalou o comunicado enviado à Lusa.
A Gulbenkian assinalou, ainda, na obra da pintora radicada no Reino Unido, a "incansável procura de temas que a conduzem à representação do drama (ou comédia) humano, no implacável escrutínio da sua complexa natureza ética e moral".
A Gulbenkian considera que "ninguém melhor que Paula Rego para clarificar, com simplicidade desarmante, o âmbito temático do seu trabalho, que por múltiplas formas que tome, tem sido invariável, como se pode ler nas suas palavras".
"Mandar nas pessoas. Obediência. Subversão. Fazer bem às pessoas más, fazer mal às pessoas boas. Poder. Desigualdade entre os sexos. Os homens mandam nas mulheres em geral. As mulheres às vezes mandam, mas é de outra maneira. A relação entre os sexos. É isso. Não é preciso mais", cita, no comunicado de pesar.
A fundação salientou ainda que "a abordagem [de Paula Rego] é sempre ética, pedagógica e o propósito transformador das consciências e dos comportamentos".
Pintora portuguesa, faleceu aos 87 anos. Em 2018 a(...)
Paula Rego expôs na II Exposição de Artes Plásticas (1961) da Fundação Gulbenkian e em 1961/1962 recebeu uma bolsa de estudos.
Em 1988, o CAM organizou uma exposição retrospetiva da artista, no ano seguinte foi nomeada Senior Fellow do Royal College of Art e, em 1990, tornou-se na primeira artista a usar a nomeação de associada da National Gallery, em Londres.
Em 2012 expôs também a sua obra na delegação em França da Fundação Gulbenkian.
O Centro Nacional de Cultura (CNC) manifestou "grande desgosto" pela morte da pintora Paula Rego.
"O Centro Nacional de Cultura manifesta o grande desgosto pelo falecimento da sua sócia efetiva, hoje ocorrido. Apresentamos sentidas condolências à família e amigos", lê-se numa nota publicada no site do CNC.
O CNC recorda que Paula Rego era "uma das mais aclamadas e premiadas artistas portuguesas a nível internacional".
A Fundação de Serralves lembrou a artista Paula Rego como alguém que, "em tempos inclinados a polarizações", deixa como recordação a certeza de que "nada é simples e imediato".
Em comunicado, a Fundação de Serralves "lamenta profundamente o desaparecimento de Paula Rego, uma das artistas com maior reconhecimento não só em Portugal, país onde nasceu e cresceu, e em Inglaterra, onde estudou e depois viveu até à sua morte, mas também por todo o mundo".
Serralves, no Porto, lembrou as duas exposições maiores que acolheu da artista: a antológica de 2004, no Museu de Arte Contemporânea, e a "O Grito da Imaginação", na Casa, entre 2019 e 2020, ambas vistas por centenas de milhares de visitantes.
A fundação presidida por Ana Pinho salientou que Paula Rego era hábil "em casar aparentes opostos, nomeadamente a infância e a crueldade, as crianças e a perversidade, o mundo feminino e a força, o patriarcado e a debilidade".
"Os excessos, abusos e truculência (a que são submetidas – mas que também conseguem infligir – crianças e mulheres) podem estar associados na sua obra ao reconhecimento imediato (permitido pela figuração), mas a sofisticação e a radicalidade dos seus trabalhos residem na complexidade moral com que constantemente nos confrontam", realçou Serralves, em comunicado.
A fundação remata que "em tempos inclinados a polarizações e entrincheiramentos, Paula Rego recorda para sempre que nada é simples e imediato".