06 jul, 2022 - 07:06 • Maria João Costa
Sempre sorridente, Laurentino Gomes distribui autógrafos. No ambiente festivo da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, encontramos o autor brasileiro que agora reside em Portugal, em Viana do Castelo, a lançar o terceiro volume da trilogia dedicada à escravidão.
No espaço da editora Globo, onde os livros estão em exposição lado-a-lado com os de Valter Hugo Mãe, Laurentino Gomes começa por explicar que este novo livro “é a História não contada do Brasil” e que sai “em boa hora”, numa altura em que o país celebra dois séculos de independência .
Em entrevista à Renascença, Laurentino Gomes que já se tornou num biografo do seu próprio país, critica o facto de “muitas vezes a História do Brasil é narrada pela ótica do colonizador europeu”. O autor do sucesso “1808” aponta mesmo existir “um branqueamento da História”. Isso levou ao “anonimato de uma parcela muito expressiva e maioritária da população brasileira, que são os descendentes de africanos escravizados”.
“O meu livro mostra que há uma outra independência. Há um Brasil que ficou abandonado à sua sorte durante a rutura entre Portugal e Brasil em 1821 e 1822”, indica o autor que acrescenta: “O Brasil manteve inalterada a estrutura social vigente, não acabando com o tráfico negreiro”.
A olhar o país gerido hoje por Jair Bolsonaro, Laurentino Gomes diz que a herança da escravidão “é um preço pago até hoje”. Questionado sobre a oportunidade deste livro neste ano eleitoral, o escritor refere que “a escravidão não é um assunto dos livros de História, ela é uma realidade presente no Brasil nesse início do século XXI”.
Laurentino Gomes dá como prova do que afirma, o exemplo do que acontece nas grandes cidades brasileiras. “Quem mora nos bairros nobres, com infraestrutura e segurança é a população branca descendente de europeus. Quem mora nas periferias insalubres, abandonadas pelo Estado Brasileiro é, na sua maioria, a população descendente de africanos”.
“A pobreza no Brasil é sinónimo de negritude, e é sinónimo de herança da escravidão”, afirma Laurentino Gomes que pega em mais um exemplo. “O atual presidente da República durante a campanha eleitoral de 2018 usou diversas vezes expressões, comportamentos e ideias racistas e, mesmo assim, as pessoas votaram nele”.
Questionado se pode ou não haver uma viragem nas presidenciais de outubro, o autor lembra como é importante haver debate e diz esperar que haja uma mudança política. “Essa segunda abolição da escravidão que o Brasil jamais fez e dar oportunidade à África brasileira para que ela se realize plenamente nas suas decisões, será feita no voto”.
Enquanto fala para a Renascença, Laurentino Gomes tem já mais um leitor à espera de um autografo. Na sua editora brasileira os livros da trilogia sobre a escravidão, estão colocados ao lado de outra trilogia sua de sucesso com a obras 1808, 1822 e 1889. No espaço da editora, muitos leitores, a fila para as 6 caixas de pagamento é longa, mas todos esperam para levar para casa mais livros.