22 jul, 2022 - 11:13 • Maria João Costa
Rui Chafes costuma dizer que as paredes brancas de um museu têm semelhanças com as dos hospitais. O artista plástico, que trabalha com materiais pesados como o ferro, tem uma nova exposição no Museu de Serralves, um espaço que considera ser “uma clínica de luxo privada para as obras de arte”.
“Chegar sem Partir” reúne 30 anos de carreira de Rui Chafes. Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o artista descreve que “toda a exposição se passa como numa sala de operações” e por isso quis tornar Serralves “um espaço ainda mais clínico do que já era”.
Neste “grande hospital” de arte, Chafes pediu “para taparem todas as janelas das salas de exposição que dessem visão do jardim”.
Num diálogo com a arquitetura de Álvaro Siza Vieira, Rui Chafes quis que a exposição dentro do museu não tivesse “qualquer ponto de fuga para o exterior".
"Não há janelas, o olhar não pode fugir, não pode escapar. É uma exposição muito claustrofóbica, muito intensa e muito radical.”
“Quando fui convidado pelo Phillipe Vergne para fazer a exposição, fui olhar, mais uma vez, para o espaço e a arquitetura do museu que já conheço bastante bem por frequentar as exposições ao longo dos anos e olhei com uma perspetiva de compreender a arquitetura do museu, a sua estrutura, a arquitetura do Álvaro Siza, o que é que cada sala quer dizer. Acho que é assim que os artistas analisam uma proposta de exposição, é passar também pela arquitetura”, conta Rui Chafes.
A mostra, que tem nas suas palavras “momentos bastantes intensos”, reúne obras “muito antigas” por sua própria vontade. Contudo, o artista faz questão de esclarecer que ‘Chegar sem Partir’ não tem “qualquer intenção cronológica”.
“Não olhei para trás no sentido de analisar um percurso, fui buscar atrás algumas obras que queria voltar a apresentar”, explica Rui Chafes ao programa Ensaio Geral.
A exposição sai, contudo, das paredes do museu de Serralves e estende-se ao Parque. Entre as nove peças expostas no jardim está a mais recente criação de Rui Chafes. Chama-se “Travessia” e é uma obra que vai ficar em permanência no Parque de Serralves.
“Não se vê de fora. É uma peça subterrânea. Há uma porta, e a pessoa tem mesmo que penetrar na escuridão da terra”, descreve o artista. Questionado sobre em que medida lhe interessa essa relação do visitante com o espaço verde, Chafes afirma que lhe “interessa muito”.
“Considero que a arte é completamente artificial. Não há arte natural, não acredito. É uma coisa artificial, criada pelo Homem. Aliás, a palavra arte e a palavra artificial começam pelas mesmas letras. É uma presença completamente artificial. E interessa-me essas sobreposições de realidades e esse confronto entre duas existências no mundo.”
Segundo o artista, esses dois mundos em diálogo são “a nossa Mãe, que é a Terra, que é a Natureza, que são as nuvens, a chuva, as folhas, o vento, que são a nossa Mãe Terra" e "depois estas pequenas feridas que o Homem vai fazendo na Natureza, que são obras construídas pelas suas próprias mãos, e sujeitas a um pensamento e a uma intenção de questionar o mundo”.
Com esta visão da arte, Rui Chafes considera que ao intervir num espaço como o jardim de Serralves “cria tensões” que lhe “interessam bastante” e que espera que possam também provocar o visitante. “Pode ser uma experiência reveladora da relação com a Natureza”, conclui o artista.