16 nov, 2022 - 16:24 • Maria João Costa
Armanda Passos dizia que tinha medo de dar entrevistas, porque não queria “ser vedeta” e porque afirmava, numa entrevista ao Jornal de Letras, em 1991, que se exprimia “melhor na pintura do que com as palavras”. E é na sua obra que a descobrirmos.
Na primeira exposição retrospetiva da pintora que morreu há pouco mais de um ano, estão reunidas mais de 80 telas. Na Fundação Champalimaud, em Lisboa, a mostra reúne mais de 30 anos de trabalho, numa exposição que tem a curadoria da filha da artista nascida no Douro, no Peso da Régua.
Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, Fabíola Passos explica que foi um desafio fazer a exposição “Armanda Passos – pintura a óleo em retrospetiva”, em que presta homenagem à mãe. As 80 pinturas a óleo são “provenientes de coleções privadas e públicas”, indica a curadora.
Entre os colecionadores privados estão mais de 50 proveniências e nomes como o arquiteto Álvaro Siza Vieira, o sociólogo António Barreto, o escritor Mário Cláudio ou o poeta David Mourão-Ferreira, que segundo Fabíola Passos tinham uma ligação com as obras “quase como um ente familiar”. “Já não conseguiam ver o espaço em branco”, refere a curadora.
Mas a exposição reúne também obras de instituições como a própria Fundação Champalimaud, a Fundação Gulbenkian, o Museu do Oriente, a Coleção Berardo, entre outras. Nesta mostra, que contém uma explosão de cores, as obras estão divididas em duas salas. “A primeira sala reúne 20 anos, dos anos 1970 aos 1990, e a segunda dos seguintes até ao final de vida de minha mãe”, indica Fabíola Passos.
Depois de percorremos os espaços da exposição, com a curadora a lembrar que Armanda Passos foi uma artista que nunca deixou Portugal, encontramos no todo desta mostra a coerência de uma carreira artística.
“É um percurso de 50 anos de trabalho. A 200 metros de distância podemos dizer, aquilo que está ali é uma Armanda Passos! Identificar uma pintura com tantos metros de distância, sem ter de se aproximar para ver quem é que a fez, qual é a assinatura, é a maior marca que um pintor pode deixar na história”, defende Fabíola Passos.
Armanda Passos viveu para a pintura toda a vida. A artista, que se licenciou em Artes Plásticas na Escola Superior de Belas-Artes do Porto e que foi convidada por Ângelo de Sousa para monitora da tecnologia de Gravura, representou Portugal em diversas exposições no estrangeiro.
Em 1984, venceu o Prémio Ministério da Cultura e o quadro com que ganhou está na exposição. A tela é das poucas a preto-e-branco e guarda uma história “curiosa”, conta Fabíola Passos, que recorda a personalidade “indomável” da mãe. Quando saíram noticias sobre o prémio, o nome que surge na imprensa é “Armando Passos”. “Quando recebe o prémio, diz eu recebo o prémio, mas levo o quadro para casa porque não sou Armando!”, conta a filha.
O quadro viveu nos últimos 40 anos na casa da artista, no Porto, uma casa projetada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira. Só de lá saiu quando, “meses antes de partir teve a visita da ex-ministra da cultura”, Graça Fonseca que lhe pediu que “cedesse a obra” que pertencia afinal, ao ministério da Cultura.
Fabíola Passos recorda que, na década de 80, “ter tido aquela atitude, num meio masculino, foi de uma irreverência e força de espírito muito grande”. Sobre a mãe, lembra, sempre foi uma defensora dos direitos das mulheres.
Muito já se escreveu sobre as mulheres que Armanda Passos retrata nas suas telas. O ensaísta Eduardo Prado Coelho questionava-se em 2004: “Donde vêm estas mulheres? Ninguém sabe”, respondia e voltava a perguntar: “A que tempo pertencem? Ao princípio do mundo”, afirmava.
Questionada sobre os rostos que enchem as telas de Armanda Passos, a filha explica que a artista “não as rotulava de mulheres. Chamava-lhes seres que viriam de algures”. “Não são mulheres que existem, são depurações, são formas que não são reais”, acrescenta Fabíola Passos, que fala de um “planeta Armanda Passos”.
A artista morreu em outubro de 2021, vítima de cancro, mas nunca deixou de pintar. “Poucos dias antes de partir, desenhou, porque pintar era violento e não tinha soldo para isso”, recorda emocionada a filha. “Pediu-me uma folha de papel e desenhou a morte. É estranho! Desenhou um animal grande, carregado de flores, com umas mãos muito grandes e disse-me ‘Este é o meu último, Fabíola!’”, conta a filha da artista.
Da saudade que a mãe lhe deixou, Fabíola transformou nesta exposição que abre com uma grande fotografia da artista na sua casa. A complementar a mostra, há também alguns vídeos da artista, com declarações de Armanda Passos. Pela exposição já passaram o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e os ex-presidentes Cavaco Silva e Ramalho Eanes.
A mostra, que abriu com uma visita da historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, contou também com a apresentação da escritora Lídia Jorge e do ex-ministro das Finanças Miguel Cadilhe. Também pela Champalimaud passaram o atual ministro da saúde, Manuel Pizarro, e o das Finanças, Fernando Medina, bem como o músico Rui Veloso, o sociólogo António Barreto e o ex-ministro da Cultura João Soares.
Já Leonor Beleza, presidente do conselho de administração da Fundação Champalimaud, e que manteve uma relação de amizade e admiração pela artista Armanda Passos referiu na abertura que a mostra “é terapêutica”. “Faz-nos bem, é saúde e intemporal”, destacou Beleza sobre a exposição que pode ser vista até 31 de dezembro, de segunda a sábado, das 12h às 20h, na Fundação Champalimaud. A entrada é gratuita.