23 mar, 2023 - 14:39 • Beatriz Pereira
Isabel Alçada, autora de literatura infanto-juvenil que foi ministra da Educação, considera "absurda" a decisão tomada por bibliotecas britânicas de esconder livros de Enid Blyton por se considerar que a linguagem utilizada é "ofensiva" para os leitores e está “desatualizada”.
“Eu fiquei muito surpreendida, porque Inglaterra é um país que, geralmente, vemos como um país da liberdade e da aceitação", diz Isabel Alçada à Renascença.
Aludindo a "ideias novas que afetam, de facto, as mentes das pessoas e que levam a atitudes absurdas”, a co-autora da coleção “Uma Aventura” não deixa de “ter em conta que a linguagem muda, que a forma de tratamento das pessoas muda e que há um certo jargão numa época que acaba por cair em desuso”.
“Nós hoje temos dificuldade em aceitar que, no passado, as coisas eram diferentes e reconhecê-las como diferentes.”
Em Devon, em Inglaterra, as bibliotecas públicas estão a ocultar os livros Blyton, autora, entre outras, da coleção “Os Cinco”.
Em contrapartida, as bibliotecas estão agora a apresentar versões “atuais”, reescritas com linguagem intemporal e onde são substituídas diversas expressões da autora. Um dos exemplos é a troca da palavra “moreno”, escrito pela autora num dos livros, pela palavra “bronzeado”.
Segundo o jornal Daily Mail, a escritora, que nasceu em 1897, recorreu a termos como “queer” e “gay”, e também à palavra “castanho” em referência à cor da pele de uma personagem, para além de usar a expressão “cala a boca”.
Estas alterações foram reveladas nos documentos do conselho do condado de Devon. A Library Unlimited, que administra o serviço de bibliotecas do condado, audita regularmente os livros e posteriormente substitui-os por versões mais “atuais”.
As versões originais dos livros de Enid Blyton não foram removidas das biliotecas, mas estão agora armazenadas em espaços que não são acessíveis ao público.
Se os leitores quiserem ter acesso às versões originais terão de as solicitar especificamente aos bibliotecários -- que, segundo o The Telegraph, vêm com um aviso a recordá-los da linguagem contida na versão original.
Estas decisões têm levantado uma onda de indignação entre fãs da escritora e também de algumas livrarias, como a Belfast Books, em Inglaterra, que publicou no Twitter uma imagem de vários livros da autora sob a legenda: “A maioria são originais de um tempo antes de os ‘leitores sensíveis’ nos dizerem o que podíamos ou não podíamos ler.”
Isabel Alçada não concorda com a aposta em versões alteradas. “Versões alteradas nunca apoio. Acho que cada autor escreveu com a linguagem que achou que era adequada para a sua intenção. Há sempre escritores novos e não me parece correto estar a alterar livros antigos”, confessa à Renascença.
Já em 2021, segundo o The Washington Post, a instituição de caridade English Heritage, que desenvolveu um plano que visa instalar placas azuis em edifícios que já foram habitados ou local de trabalho de pessoas famosas, atualizou as informações associadas à placa icónica de Blyton, que está posicionada em frente da casa em que viveu entre 1920-1924.
“Tanto durante sua vida quanto depois, o trabalho de Blyton foi criticado por vários aspectos de seu conteúdo (…) Há um 'snobismo social', racismo e sexismo embutido nas histórias de Blyton”, pode-se ler no site.
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As decisões sobre a alteração de expressões nos livros de Blyton fez ressurgir o tema da censura literária e da liberdade em contexto cultural.
Enid Blyton escreveu mais de 700 livros, incluindo títulos como a coleção “Os Cinco” e “Noddy”, desde o final dos anos 1930 até à sua morte, em 1968.
[notícia atualizada às 07h58 de 24 de março de 2023]