14 jun, 2023 - 12:39 • Sérgio Costa
Uma música inédita com a voz de Kendrick Lamar, um novo álbum com a sonoridade dos Oasis, Kurt Cobain a cantar “Here Comes Your Man” dos Pixies ou a música “Take On Me” dos A-ha com a voz de Freddie Mercury. Tudo é possível, tudo aparece em qualquer plataforma digital.
A um inepto musical é agora possível produzir canções, ou manipular o que já existe, através dos múltiplos sites disponíveis na rede para esse efeito. Os mais incautos, com o ouvido menos preparado, poderão ser induzidos em erro. Consegue distinguir o original da cópia?
Com esta questão os alarmes soaram no universo musical. Entre apelos a uma efetiva regulação da Inteligência Artificial (IA) destaca-se, por exemplo, a reação de Young Guru. O produtor, que já trabalhou com renomados artistas como Beyoncé, Mariah Carey ou Jay-Z, apressou-se a alertar, através do Instagram, para “uma série de problemas” se a IA cair nas mãos erradas.
Guru deixou mesmo um apelo quase desesperado para a criação de leis que protejam os artistas.
"Temos de aprender com os erros do passado. [...] A única forma de lidar com isto é alterando a lei."
Os receios não são, contudo, comuns a todos artistas. Paul McCartney surpreendeu o mundo ao anunciar, para breve, o lançamento de um inédito dos Beatles com recurso à Inteligência Artificial.
O músico, que em breve completará 81 anos de idade, explica que a tecnologia foi usada para “extrair” a voz de John Lennon de uma velha demo e que a canção “está terminada e será lançada ainda este ano”, como revelou em entrevista à BBC. Desta forma, o Beatle deixa subentendido que não tem receios com a utilização da IA, e reconhece as vantagens que os músicos podem retirar dos avanços tecnológicos.
Em Portugal, David Fonseca questiona a utilidade da IA, ao sublinhar que “não é uma ideia interessante” para quem cria música.
Ainda assim, admite a generalização da prática e do recurso às tecnologias cada vez mais avançadas, ainda que o facto de não haver envolvimento humano direto retire o interesse.
“A criação artística prende-se com aquilo que não é visível, com o abstrato”, conclui, pelo que é “possível criar uma canção de sucesso através da IA”. Ainda assim, o músico insiste na falta de interesse nesse processo.
É neste quadro que David Fonseca diz não acreditar que a Inteligência Artificial possa substituir o artista, porque a tecnologia tem capacidade de “pegar em algo que já existe e de baralhá-la noutra direção” e não de criar algo novo. Para o músico português, “não será possível fugir aos cânones”, ao que já existe.
Na mesma linha, o advogado Ricardo Salazar enquadra a música feita a partir da IA no conceito de paródia -- “uma espécie de robot de cozinha” que confeciona alimentos de acordo com regras pré-estabelecidas.
Para o especialista, através da Inteligência Artificial não se está a criar algo igual, mas sim a parodiar. Salazar acrescenta, por isso, não ver necessidade de se criar novos mecanismos legais para defender os artistas da IA, uma vez que o conceito de plágio está já previsto.
Noutro plano, o especialista acrescenta ser necessário distinguir o plágio da simples influência, e dá o exemplo, entre outros, do “sampling” (utilização de excertos de outras músicas numa canção) ou o caso da utilização por David Bowie de um excerto da letra de “A Day In The Life” dos Beatles na música “Young Americans”.
O debate sobre as consequências do uso da Inteligência Artificial promete não ficar por aqui.
A Meta, empresa que detém o Facebook, por exemplo, já revelou estar a trabalhar para desenvolver novas tecnologias e anunciou recentemente o “MusicGen”, um sistema que permite criar conteúdos musicais através da utilização de texto. Os efeitos deste novo paradigma na música, e nas diferentes expressões artísticas, esses, continuam ainda incalculáveis.