16 jun, 2023 - 15:51 • Maria João Costa
Recusam a ideia de levar ao nome a expressão “internacional”, mas o Festival de Almada tem um caráter internacional, embora também com um pé bem assente na dramaturgia em português. No ano em que assinala a 40.ª edição, o Festival de Almada apresenta em cartaz 20 espetáculos de teatro, dança, novo circo e música entre 4 e 18 de julho.
Na apresentação à imprensa, esta sexta-feira, na Casa da Cerca em Almada, Rodrigo Francisco, diretor do evento, explicou que no festival “não há um tema, o tema é o teatro”. Nas palavras do também dramaturgo, “o teatro é a vida”, por isso parece-lhe “redutor dizer que o festival é sobre isto ou aquilo”.
Na edição deste ano, é prestada homenagem ao ator e encenador João Mota, pelos seus 65 anos de trabalho. Professor na Escola Superior de Teatro e Cinema durante mais de três décadas, Mota vestiu “o casaco” para a ocasião de “cerimónia”, como lhe chamou.
No palco, de bengala, o ator manifestou “um contentamento quase infantil” pela homenagem que decorrerá a 8 de julho. “Quando se é homenageado é como dar um bombom ou rebuçado a uma pessoa de 81 anos”, referiu o ator que considerou que neste “muito tempo” de vida, “o teatro esteve sempre lá”, recordando a fundação da Comuna antes do 25 de Abril de 1974.
“A troca entre o publico e o espetador é sempre boa. 51 anos de Comuna valeram a pena. Foram 51 anos difíceis e espero que os próximos sejam ainda mais difíceis” disse com ironia, João Mota que trabalhou com o encenador Peter Brook.
Referindo-se à homenagem a João Mota, Rodrigo Francisco lembro que: “Não existimos sem o lastro dos que estiveram cá antes de nós, fizeram teatro durante a ditadura e com os quais podemos aprender e projetar o que fazemos”.
A programação do Festival de Almada conta este ano com criações dirigidas com alguns dos encenadores mais conhecidos. Exemplo disso é o regresso a Portugal de Peter Stein que traz ao festival a peça “O aniversário” de Harold Pinter.
É um “ponto alto do festival”, explica Rodrigo Francisco que sublinha o facto de poder “ser a última oportunidade para ver um espetáculo de Peter Stein”, no nosso país. A vinda do fundador da Schaubühne de Berlim, a Portugal “é possível graças ao apoio do Instituto Italiano de Cultura que quase duplicou o apoio ao festival”.
A peça escrita quando Pinter tinha apenas 27 anos é uma obra que “à medida que assistimos, percebemos que as personagens estão todas a mentir” detalhou o diretor do festival. “O aniversário” sobe ao Palco Grande da Escola D. António da Costa, dia 12 às 22h.
O diretor do Festival de Almada que fez questão de referi que “os artistas são esponjas e refletem o ar dos dias” apresentou também outro dos destaques internacionais da edição deste ano que passa pela presença em Almada do encenador Declan Donnellan que traz a peça “A vida é sonho” de Calderón de la Barca, dias 17 e 18 no Teatro Joaquim Benite.
O Festival de Almada organizado pela Câmara Municipal de Almada e pela Companhia de Teatro de Almada tem, como em edições anteriores, um pé na margem norte do Rio Tejo e este ano apresenta dois espetáculos no palco do Centro Cultural de Belém (CCB).
A 13 e 14 de julho o Grande Auditório do CCB recebe a companhia israelita Batsheva Dance Company que apresenta o espetáculo “Momo”, uma criação de Ohad Naharin e dias 15 e 16 de julho, o Pequeno Auditório recebe a companhia Schaubühne de Berlim com a peça “Everywoman” com texto assinado por Milo Rau e Ursina Lardi. É uma peça “que fala sobre a morte, mas é um espetáculo muito belo, não é de autocomiseração sobre a morte” explicou Rodrigo Francisco.
Num ano em que o Festival de Almada tem o seu cartaz criado pelo artista Noé Sendas, o festival recebe ainda outras criações internacionais. Uma delas vem de França. A Galactik Ensemble apresenta “Optraken”, uma “peça onde o cenário se desfaz” e que promete diversão ao público diz o diretor do festival.
Também a abertura do festival está a cargo de uma companhia catalã. O encenador Ramon Fontserè vem mostrar uma “peça divertida” intitulada “Valha-nos Aristófanes!”. “É uma farsa caustica sobre o cancelamento e a censura” indica Rodrigo Francisco.
De França, chega ainda “Ulysse de Taourirt” da Compagnie Nomade in France e a encerrar o festival, a peça “Une Cérémoni”, uma criação de Raoul Collectif. “Ainda há espetáculos que conseguem encontrar um ponto de contato com o público tão forte” explica Rodrigo Francisco sobre esta criação.
A 7 de julho, a Incrível Almadense recebe um espetáculo do Líbano. É a primeira vez aponta o diretor que acolhem uma peça libanesa, neste caso de uma criadora que diz ter “duas atividades que a fazem poupar dinheiro num psiquiatra. Uma é fazer teatro, a outra é fazer jogging”. Daí o nome da peça – Jogging – que inspirou a criação do texto criado a partir da figura de Medeia que já foi apresentado no Festival de Teatro de Avignon.
De 15 a 17 de julho será apresentado um texto de Pablo Fidalgo, um criador galego “já conhecido do público português”, diz o diretor do festival. “A Enciclopédia da dor” é sobre a herança da violência em Espanha durante os anos 80, onde o encenador revive as suas memórias de infância.
Outra estreia é a de Martin Zimmermann. “Um dois três” é uma peça que conta com interpretação do português Romeu Runa e que foi criada inicialmente para ser representada dentro de um museu. A peça em que Zimmermann é também cenógrafo e figurinista tem música ao vivo.
Entre os 20 espetáculos em cartaz nesta edição há algumas estreias e outras tantas reposições de textos dramatúrgicos em português. Logo no arranque do Festival, Rodrigo Francisco, também ele diretor da Companhia Joaquim Benite estreia um texto seu. Calvário vai estar em cena dias 5,7,8,11,15 e 16 na sala experimental do teatro de Almada. “A expressão ‘calvário’ vem do teatro. É a parte do texto que os atores se esquecem sempre”, explica Rodrigo Francisco que fala de uma peça que recorre à fórmula do teatro dentro do teatro”. “Os ensaios têm-se revelado um calvário, é difícil ensaiar aquilo que acontece nos ensaios que são os enganos”, conta o encenador.
Outra recente criação vem do Teatro Nacional de São João. No dia 5 é apresentada a peça “Suécia” de Pedro Mexia. Na conferência de imprensa, Nuno Cardoso que encena a peça contou: “É a segunda produção deste ano, partiu de um desafio do Pedro Sobrado ao Pedro Mexia. Ele não escreveu bem sobre a Suécia, mas sobre a ideia da social-democracia e de como ouvíamos que na Suécia tudo era bom. Criou um conjunto de mitologias que vieram abaixo quando o muro caiu”, explicou.
A 6 de julho regressa a palco a peça “Aquilo que ouvíamos” de Joana Craveiro que estrou em 2021 no Lux, em Lisboa. Os atores Tânia Guerreiro e Estevão Antunes falaram de uma “oportunidade de contribuir para a festa” do Festival de Almada com um “espetáculo que é um concerto, e que tem em cena 4 atores, acompanhados por 5 músicos de uma banda bem “underground”, os Loosers. É em parte teatro documental e um espetáculo biográfico”, remataram.
Num ano que o público escolheu rever a peça “Eu sou a minha própria mulher” encenada por Carlos Avillez, em que o ator Marco d’Almeida representa 35 personagens, o festival apresenta uma segunda estreia.
“É uma colaboração com os Artistas Unidos e o Teatro Griou”. “Ventos do Apocalipse” a partir de um texto da escritora, Prémio Camões, Paulina Chiziane conta com adaptação e encenação de Noé João e será apresentada de 7 a 9 de julho no Cine-Teatro da Academia Almadense. “É um espetáculo que trabalha a memória. É sobre o passado na guerra, e as personagens procuram a terra prometida” explicou o encenador.
Outra reposição é a peça “Montanha Russa”, de Inês Barahona e Miguel Fragata. “É um espetáculo que nasceu de uma vontade de refletir sobre o momento em que se está entalado na adolescência, esse não lugar, entre a infância e a idade adulta”, disse Miguel Fragata sobre o espetáculo que criaram há 5 anos e que conta com os músicos dos Clã em palco e que é apresentado dia 10 no palco da Escola D. António da Costa.
Estreada há um ano, a peça “A Equipa” conta com direção de Rui M. Silva que pediu a Afonso Cruz para escrever o texto. É uma peça que pode ser vista de 15 a 17 na Incrível Almadense e que é “uma ode ao coletivo”, indicou Rui M.Silva que nesta peça recorda as memórias de quando jogava basquetebol.
Teatro e dança à parte, o cartaz do Festival de Almada prevê, entre outras coisas duas exposições, uma delas é documental e percorre as 40 edições do festival e conta com a assinatura de José Manuel Castanheira. “Mostra a pluralidade do publico que habita o festival” indicou o arquiteto e cenógrafo que está também a preparar uma “instalação surpresa” para João Mota, o homenageado deste ano.