17 nov, 2023 - 12:00 • Maria João Costa
Está de regresso, o detetive Mario Conde, a personagem icónica da literatura do escritor cubano Leonardo Padura. No novo livro, “Pessoas Decentes”, o autor mergulha no submundo da cidade de Havana, onde há dignidade em profissões nem sempre aceites.
Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, na sua passagem por Lisboa, Padura explica que “há muitas maneiras de ser decente, e há esta infinidade de possibilidades de se ser indecente, porque às vezes a vida obriga a isso”, diz-nos o autor.
Este é um romance que fala do mundo da prostituição. Nas palavras do autor, “as prostitutas sempre foram consideradas pessoas indecentes”, mas para muitas “a única forma de conseguirem viver é vendendo o seu corpo”. Este “necessidade” de que fala o Leonardo Padura, está no romance agora lançado pela Porto Editora.
“Viver profissionalmente da prostituição é uma necessidade para algumas pessoas. E podem ser pessoas decentes que têm de recorrer a estes meios que não são nada decentes”, conta o autor.
A ação do livro passa-se em Havana em 2016, ano em que o ex-presidente norte-americano Barack Obama visitou Cuba, os Rolling Stones deram um concerto na ilha e a Chanel realizou um desfile de moda.
É neste cenário que um antigo dirigente dos serviços secretos aparece morto e Leonardo Padura recorre à sua personagem de sempre, o velho Mário Conde para a investigação. Para si ele é “uma personagem fundamental que encarna a decência”
“Ele tem de ser um homem decente, porque é a única maneira de ter um estatuto moral para julgar os indecentes. Assim nasceu, desde o meu primeiro romance, e assim continua a ser ao longo dos anos, nestes últimos 10 livros. Desde 1990 que trabalho com esta personagem”.
Questionado se não se cansa de Mario Conde, Leonardo Padura é categórico em dizer que “felizmente, não”. Contudo, o escritor está a preparar um livro sem Mario Conde, mas onde outra “personagem”, a cidade de Havana que sempre foi mais do que cenário na sua literatura, será central.
“Estou a escrever um livro sobre Havana. Irei publicá-lo no próximo ano. Não posso dizer que seja um ensaio, nem uma biografia, é um texto de como me fui apropriando da cidade. Eu nasci, e vivo num bairro periférico de Havana onde, quando se vai à zona comercial, dizemos que vamos a Havana. E eu fui a Havana, e fui-me apropriando dela física e sentimentalmente e isso reverteu para a literatura”, explica.
Embora o livro esteja avançado, Leonardo Padura, diz que cada vez que o lê o que escreveu, vai “acrescentando coisas”. “Recordo-me de coisas que explicam um processo terrível que é o de desconstrução de uma cidade. Quando eu era criança, nos finais dos anos 1950, 1960 a cidade era brilhante, tinha luzes, as coisas funcionavam, mas a cidade foi-se deteriorando fisicamente e nível espiritual. Isso é importante, porque as cidades existem pela sua arquitetura, mas não seriam nada, sem as pessoas que dão caráter a essa arquitetura e espaço urbano”.
Como em todas as conversas ao longo dos anos com a Renascença, Leonardo Padura, acaba a trazer noticia da situação em Cuba. O escritor, dos poucos autores cubanos com uma carreira internacional e que entra e sai do país com regularidade descreve a atual situação como difícil.
Lembra que “a pandemia e o recrudescimento do embargo” piorou a situação, sobretudo num país onde há grande dependência “das remessas que os emigrantes mandam”. “Não conseguindo receber o dinheiro enviado, somado à ineficiência do sistema económico cubano isso provocou a tempestade perfeita”, comenta.
Padura que em Portugal se encontrou com uma escritora cubana que vive aqui em Lisboa, recorda a conversa que tiveram. “Não entendemos de que é que as pessoas vivem! É estranho. Estamos num nível muito baixo nas relações com os Estados Unidos, mas também das nossas necessidades da vida quotidiana”.
Questionado sobre a Rússia, a eterna aliada de cuba, e sobre a invasão à Ucrânia, Leonardo Padura é categórico em condenar a ação militar. Segundo a sua perspetiva, “aquilo que está a acontecer na Rússia afetou muito a chegada de turistas russos a Cuba que eram uma fonte importante de rendimento”.
Padura é critico: “Cuba não condenou, nem apoiou a invasão russa na Ucrânia, e isso para mim parece-me uma falta de memória política terrível. Neste romance eu recordo duas intervenções militares dos Estados Unidos em Cuba, e, como país que já foi invadido e tomado militarmente, recuso qualquer agressão desse tipo, de um país maior a um mais pequeno”
O autor remata dizendo que “pode-se argumentar ou tentar explicar, mas na essência trata-se de uma invasão”.