05 dez, 2023 - 17:49 • Maria João Costa
Em tempo de guerras, Guilherme d’Oliveira Martins deixa um alerta: “Só podemos desenvolver uma verdadeira cultura de Paz, se pudermos pôr em diálogo criadores, poetas, artistas e cientistas”. É este legado que o antigo presidente do Centro Nacional de Cultura coloca em evidência no livro que acaba de lançar
“A Cultura como enigma – os grandes nomes da nossa cultura num registo de grande riqueza intelectual” (ed. Gradiva) é um livro que olha para o contributo de figuras referenciais da cultura portuguesa.
Em entrevista à Renascença, o atual administrador da Fundação Calouste Gulbenkian sublinha que “é indispensável percebermos que o património, não é uma realidade do passado e que a cultura não se projeta apenas nas gerações que nos antecederam”. Segundo o intelectual, a cultura “projeta-se no diálogo entre aqueles que nos antecederam e a criação contemporânea”.
No livro, Oliveira Martins, dá vários exemplos de figuras da cultura contemporânea que são referência. “Recordo por exemplo, Isabel da Nóbrega ou António Mega Ferreira, mas simultaneamente também o senhor Manassés, que era o barbeiro de Fernando Pessoa. Portanto, há um conjunto vasto de referências que nos permite encarar a cultura como realidade viva”.
Mas, o colaborador do Ensaio Geral, o programa de cultura da Renascença, vai mais longe. As referências não são apenas do universo cultural. “Essa capacidade criadora exprime-se nas artes e na literatura”, indica, mas também na ciência e na sua articulação com a cultura. Oliveira Martins dá como exemplo, Maria de Sousa. “Referência fundamental de uma cientista que fazia poesia. Ligou permanentemente a arte e a capacidade inovadora, dizendo que há um processo semelhante de criação do cientista e do poeta”, destaca o autor.
“Quer o cientista, quer o poeta encontram um processo que é próximo, que é o processo criador. E isso é especialmente importante para compreender os valores culturais”, afirma Guilherme d’Oliveira Martins.
Na obra que já está nas livrarias, o autor adverte que a “sustentabilidade não deve ser apenas encarada no plano financeiro ou ambiental”. Na sua opinião, a sustentabilidade cultural é pertinente nos dias que correm.
“O património construído, o património imaterial, a Natureza” contribuem para “uma nova noção sustentabilidade cultural”. No seu entender, “a sustentabilidade cultural é a capacidade de compreender as raízes e simultaneamente, lançar essas raízes no sentido da criatividade e capacidade de compreendermo-nos melhor”.
Evocando Sophia de Mello Breyner, Guilherme d’Oliveira Martins lembra a importância do “aprender a ser”. E nessa aprendizagem há figuras de referências e nem todas são recentes.
“O livro começa por citar Camões e o Padre António Vieira e partindo de Camões e do Padre António Vieira, chegamos à modernidade e compreendemos de que modo é que um autor do século XVI ou XVII tem uma linguagem, uma reflexão que nos é próxima e que compreendemos”, diz Oliveira Martins.
O autor considera que os clássicos são a cultura viva e descobri-los ajuda a conhecermo-nos melhor. Questionado sobre o atual momento, em que a identidade europeia está ameaçada e há guerras no coração do velho continente, Guilherme d’Oliveira Martins fala do desafio que se coloca.
“A cultura, o grande contributo que nos dá, é poder, de algum modo, ser um desafio permanente para que façamos e construamos uma verdadeira cultura da Paz. Olhámos em volta e não a temos. Isso é um elemento que nos deve preocupar”, conclui o autor alertando os seus leitores para a importância de conhecer os enigmas da cultura.