24 jan, 2024 - 18:45 • Maria João Costa
A ideia para o romance nasceu em 2017 quando uma amiga perguntou a Paulo Jorge Pereira porque não escrever sobre uma mulher que foi agente da PIDE. O resultado sai agora em forma de romance, no ano em que Portugal vai a eleições legislativas e está a comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974.
“Filho da PIDE” (Ed. Oro Caleidoscópio) é um livro onde a ficção e a realidade surgem misturadas. Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o autor conta que sentiu necessidade de fazer este “exercício de memória”, por considerar que “estamos a viver tempos sombrios” com o “crescimento em Portugal da extrema-direita radical e populista”.
No centro da ação do livro que parte da história de Carlos, um jovem emigrado em França que regressa a Portugal em busca das suas origens, está a vida de Filomena, uma agente da PIDE envolvida em vários casos de tortura. “É ainda mais intenso e invulgar porque, se calhar, a maior parte das pessoas nem sequer sabe que agentes da PIDE mulheres foram também muito intensas na crueldade e muito intensas nas torturas”, explica o autor.
“A ideia de partir do filho é uma espécie de subterfúgio, porque na minha perspetiva a história principal é a que une e distancia duas mulheres ao longo do tempo. É propositadamente um período de 50 anos, porque me pareceu que essa era uma distância suficientemente forte e pesada para que as pessoas pudessem perceber como as coisas são tão marcantes e não desaparecem. Apesar do tempo passar, é muito difícil alguém esquecer coisas como aquelas que aconteceram”, relata Paulo Jorge Pereira.
Este livro recheado por um mosaico de personagens, implicou um intenso trabalho de pesquisa. “Passou por uma série de locais, desde a Torre do Tombo, ao Museu do Aljube, onde há um projeto maravilhoso chamado Vidas Prisionáveis, em que mulheres e homens presos e torturados pela PIDE contam as suas experiências. Fui também à Hemeroteca”, indica o escritor que acrescenta também o Arquivo do Patriarcado e o Gabinete de Estudos Olissiponenses.
“Fui a uma série de locais à procura de elementos que me permitissem estar, não em cima da realidade, mas muito próximo dela, de maneira que pudesse estar a escrever sobre coisas que de facto se passaram, alterando nomes, e alterando por vezes datas”, sublinha Paulo Jorge Pereira.
Apesar de ter já longos anos de escrita, o lançamento deste livro editado pela chancela Oro, da editora Caleidoscópio, coincide com o ano de eleições legislativas e dos 50 anos da democracia portuguesa. Paulo Jorge Pereira fala em “coincidência”, mas destaca a importância dela para, através da ficção, deixar pistas.
“Hoje a direita populista entrou no Parlamento e está, pelos vistos, segundo as sondagens, a ganhar força. Era importante que as pessoas percebessem o que é que aconteceu em Portugal antes do 25 de Abril, o que foram 48 anos de ditadura, e, através desse exercício de memória, podíamos voltar a falar de coisas de que se fala pouco. Não se fala muito sobre aquilo que foi a ação da PIDE, sobre as marcas que ficaram da ditadura nos portugueses e creio que cada vez é mais importante que se fale”, aponta o escritor que já foi jornalista.
Paulo Jorge Pereira lembra o extremismo que foi o nazismo. Evocando as palavras de Hannah Arendt que falou da “banalidade do mal”, o autor indica que é importante perceber que “por mais cruéis que sejam os torturadores da PIDE, por mais implacáveis que sejam os métodos, estamos sempre a falar de pessoas”.
“As atrocidades que estão a ser cometidas no mundo estão a ser cometidas por pessoas como nós. E por isso, essa é uma noção que devemos ter, desde logo, para percebermos que só nós podemos evitar que coisas dessas se repitam. Está nas nossas mãos”, remata Paulo Jorge Pereira, com o aproximar das eleições.
Segundo o autor, “o lugar da ficção serve” para lançar a reflexão. “Por vezes é mais fácil chegar às pessoas, interessá-las do ponto de vista daquilo que é a narrativa, de maneira que elas próprias depois tomem a iniciativa e vão à procura de saber mais sobre coisas que estão ali contadas”.
“Eu continuo a pensar pelo menos até 10 de março, que o crescimento da extrema-direita está nas nossas mãos” refere o escritor. Paulo Jorge Pereira interroga-se: “Em que momento da História do mundo e da história de Portugal é que a extrema-direita foi solução para alguma coisa? Nunca foi e, portanto, não vai ser aqui que a extrema-direita vai ser solução para alguma coisa”, diz o autor de outros livros como “Filhos da Primavera Árabe”.
Paulo Jorge Pereira teme um retrocesso na História caso a extrema-direita ganhe espaço no Parlamento. “É voltar para trás no tempo. É uma das coisas que me lembro de criança, é que nós sempre dissemos que não voltaremos para trás, portanto, não voltar para trás é defender a democracia, e não defendemos a democracia com inimigos da democracia”, conclui o escritor.
A apresentação do livro “Filho da PIDE” está marcada para 24 de fevereiro na Biblioteca de Alcântara e a 27 de março na Fundação José Saramago.