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Correntes d’Escritas. “O pensamento corre perigo e as palavras estão sob ameaça”

24 fev, 2024 - 18:59 • Maria João Costa

Nos 25 anos do festival literário debateu-se a liberdade, mas foram as ameaças à democracia que cruzaram os discursos dos escritores presentes. A Prémio Camões Hélia Correia disse que “não estamos” com júbilo nas celebrações dos 50 anos do 25 de Abril. Para próxima edição das Correntes está prometida a abertura do Espaço Memória Luís Sepúlveda

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“O público não se arrepende de voltar” disse a poeta Maria do Rosário Pedreira numa das mesas dos 25 anos do festival literário Correntes d’Escritas. E o público voltou a encher as salas do Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, em mais uma edição que termina marcada pela literatura, mas também pela atualidade.

Num ano em que se celebram 50 anos do 25 de Abril o mote para esta edição era a palavra a que a Revolução deu novo sentido, Liberdade. E foi de liberdade que se falou ao longo dos dias, mas também dos perigos que o país à beira das eleições enfrenta como desafio.

Na última mesa, a escritora Hélia Correia interrogou-se se “estaremos com júbilo nestas celebrações” do 25 de Abril. Respondendo à sua pergunta, a Prémio Camões afirmou: “Não estamos” e acrescentou: “Vemos no horizonte a verdade pior e a competência para o mal”.

Hélia Correia que no seu diagnóstico falou do regresso do “instinto territorial” e “do sabor da cruzada a fabricar saliva” alertou para duas questões: “o pensamento corre perigo e as palavras estão sob ameaça”.

A autora que deixou o desafio à organização das Correntes d’Escritas para “daqui a 15 anos mudar para o Brasil” o evento, referiu ainda que a democracia abandonada “colapsa e volta à tirania”.

Na mesma mesa, o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, que anunciou que está a escrever um policial passado na Póvoa de Varzim, recordou os dias que viveu em Lisboa em Abril de 1974 e ao público das Correntes d’Escritas deixou o repto: “Somos nós que somos o futuro” e “o importante é o que fazemos do que fizeram de nós”.

Já na tarde de sábado, o cronista Luís Osório interrogou-se: “O Chega pode ganhar as eleições. O que raio fizemos de mal?”. A frase transparece um pouco daquilo que foi atravessando as diferentes mesas ao longo dos vários dias do festival que juntou centenas de escritores de expressão ibérica.

Noutra sessão, a poeta Maria do Rosário Pedreira que lembrou que “não há afetos como os das Correntes” usou as palavras de outro escritor, Miguel Real, para lembrar a data de 25 de Abril e de como os seus acontecimentos “rasgaram” o antigo regime. Mas, a também editora, perante o “crescimento da extrema-direita e da cultura de cancelamento”, lembrou que “não há machado que corte a raiz ao pensamento”.

Na mesma sessão, o músico Pedro Abrunhosa foi mais longe. Ele que recordou quando era miúdo ter ido à PIDE com o seu pai, desabafou quanto ao tempo presente que pensou que “caminhávamos para melhor”, contudo, o compositor alertou: “hoje temos de voltar a empunhar o slogan, ‘fascismo nunca mais’” e acrescentou que “as injustiças derrubam-se sendo politicamente incorreto”

Abrunhosa que lamentou que a sua música que diz que “há fascistas em Berlim e Moscovo, mortes na Palestina e Israel”, mantenha atualidade. “É o mais obsceno dos factos”, concluiu o músico numa mesa em que participou também o músico Sérgio Godinho.

Pela Póvoa entre autores que participaram pela primeira vez, outros houve que regressaram às Correntes d’Escritas. Foi o caso de Anabela Mota Ribeiro que na mesa em que participou este sábado numa mesa moderada por João Gobern. A autora alertou: “estamos a compreender tristemente que a Constituição não é garantida”.

Lembrando as suas raízes e a sua história pessoas, Anabela Mota Ribeiro assumiu-se como “filha desse tempo inicial” do 25 de Abril, para dizer que “a tematização da herança do fascismo só começou perante a ameaça da extrema-direita em todo o mundo”.

Espaço Memória Luís Sepúlveda abrirá na 26ª edição das Correntes d’Escritas

Na hora do balanço de mais uma edição, o vereador da cultura, Luís Diamantino referiu à Renascença que os perigos que a liberdade está a correr foi o tema comum a todas as intervenções

O autarca refere que “pensávamos que a liberdade era um dado adquirido”, mas segundo Luís Diamantino “há o perigo do regresso”. O responsável da câmara da Póvoa de Varzim lembra que também os escritores sentem esses perigos. “Quando um escritor está a escrever, agora começa a pensar o que pode dizer e o que não pode dizer. É uma autocensura que é pior que a censura

Nestas declarações à Renascença, o vereador da cultura da Póvoa confirmou que na edição 26 das Correntes d’Escritas será inaugurado o Espaço Memória Luís Sepúlveda. “Transferimos o seu gabinete para a Póvoa de Varzim, com todo o mobiliário, com toda a sua biblioteca, com todo o seu espólio”, explicou. O espaço que ficará na Casa Manuel Lopes será também um espaço de exposições e investigação.

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