24 mar, 2024 - 13:00 • Redação com Henrique Cunha
David Chico tem 20 anos, nasceu no Equador, escolheu o Porto para estudar Ciências do Meio Aquático. Quando chegou à cidade, alugou um apartamento. No entanto, a pressão das rendas e todas as despesas associadas à habitação fizeram-no procurar uma alternativa.
Com a ajuda da Associação de Estudantes do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), David encontrou o Programa Aconchego, uma iniciativa conjunta da Câmara Municipal do Porto e da Federação Académica do Porto (FAP).
O Aconchego é um projeto que procura responder a dois problemas sociais: a solidão dos idosos e a falta de alojamento estudantil. Desta forma, um estudante pode viver sem pagar renda na casa de um idoso residente no Porto, devendo em troca ajudar o proprietário nas mais diversas tarefas.
“Sentia-me muito isolado, não estava a ter a experiência cultural do Porto total e não encontrei casas com preços acessíveis. Conheci o Aconchego e achei que seria uma ótima ideia candidatar-me, porque apendemos muito com as pessoas mais velhas”, conta David Chico à reportagem da Renascença.
Maria da Graça Sá tem 90 anos, é viúva há 26 e inscreveu-se este ano no Programa Aconchego. “Já conheço o programa há oito/nove anos, desde que uma amiga aderiu. Durante estes anos, ela recebeu muitos estudantes na sua casa e eu fui acompanhando. Achei uma coisa bonita. Então, este ano, decidi que também queria participar”, conta.
Maria da Graça abriu as portas a David por sentir "falta da companhia de alguém a que pudesse transmitir algo da minha vida e que me desse retorno".
"Uma companhia com jovialidade, com toda a diferença que existe entre uma pessoa da minha idade e um jovem com 20 anos", precisa.
Ambos admitem que “a empatia foi imediata” e a “comunicação que existe é fundamental".
Entre sorrisos e brincadeiras, David conta que Maria da Graça “fala um pouco das coisas de Portugal e eu também falo sobre o meu país".
"Ela cozinha os seus pratos típicos e, algumas vezes, cozinho os do meu país. No outro dia eu cozinhei Tigrillo, a D. Maria gostou muito.”
“Eu também estou recetiva aquilo que ele cozinha, especialmente o tal prato que ele fez, que eu achei uma coisa maravilhosa. Ele disse que ainda não estava tão bem como a mãe faz. Eu, como nunca comi, achei ótimo”, responde Maria da Graça.
A base do projeto assenta na ajuda mútua. O papel do estudante é assegurar serviços que o idoso já não consegue realizar sozinho, tal como idas ao médico, ao supermercado, lidas da casa, entre outros.
“Peço-lhe sempre ajuda, ‘chega-me isto aqui que é alto’ ou ‘levanta aquelas persianas que são muito pesadas’, assim essas coisas. Peço-lhe ajuda com as compras, ‘por favor, vai lá baixo que eu vim pelo supermercado, está lá uma cestinha”.
Na questão do médico, "ainda não foi preciso, ainda me mexo nesse sentido, mas isso estamos a falar hoje”, afirma Maria da Graça.
Para Maria da Graça Sá, pertencer ao projeto “é um verdadeiro aconchego”
“A parte afetiva é muito importante para mim. Costumo dizer que, quando resolvi aderir ao Aconchego e veio o David, tinha quatro netos e adotei mais um. E nessa parte afetiva eu sei que tenho correspondência", acrescenta.
O programa tem dez casos ativos e Susana Matias, do departamento de Coesão Social da CMPorto, garante que “todos são diferentes, mas todos funcionam bem”.
Susana Matias descreve o Aconchego como “um programa inovador" e que até "já recebeu alguns prémios de inovação social".
Porém, a responsável da autarquia adverte que “não pode ser um programa de massas” nempoderá constituir “uma resposta direta ao problema de alojamento dos estudantes” porque exige um acompanhamento muito próximo.
“Numa fase inicial, existe um acompanhamento mais regular. Numa fase mais avançada, um acompanhamento menos regular, mas vamos estando sempre presentes, ligando, mandando mensagem pelas redes sociais, fazendo visitas regulares, mas esse acompanhamento próximo é fundamental”, assegura Susana Matias.
O Programa Aconchego é uma iniciativa que existe desde 2004 e celebra o 20º aniversário este ano, mantendo os objectivos para o qual foi criado: combater a solidão e ajudar estudantes deslocados.
Este ano, o Papa Francisco escolheu para o IV Dia Mundial dos Avós e Idosos o lema "Na velhice não me abandones". Em comunicado, o Dicastério para os Leigos, Família e Vida afirma que os idosos são muitas vezes "vítimas da cultura do descarte" e que é a obrigação da Igreja trabalhar para "construir laços entre as gerações e combater a solidão".