05 abr, 2024 - 20:11 • Redação
O relógio marca 14h00 e a estação de Metro da Trindade, no Porto, está cheia. Centenas de pessoas cruzam-se: trocam de linha, entram e saem da estação. Mas, no meio da azáfama, uma música ecoa pelos corredores.
Hallisson Lima toca um piano colocado no piso -1 da estação. Dezenas de espectadores reúnem-se, com um olhar curioso e atento. Sorrisos surgem nos rostos de quem interrompeu o seu trajeto para dar atenção a Hallisson.
O novo piano do Metro do Porto é uma oferta da Critical Software, empresa multinacional de tecnologia, que este ano celebra 25 anos. O instrumento está disponível para uso livre do público: poderá ser um pianista com formação ou um amador que queira apenas experimentar.
João Carreira, CEO da empresa, conta à Renascença que esta foi a forma escolhida para “retribuir à comunidade” nas zonas onde a multinacional tem sede.
“Escolhemos a música porque a criatividade e inovação estão no centro de tudo aquilo que fazemos na Critical Software. Para nós a expressão 'livre de criatividade' é muito importante, e o piano personifica isso. Sentimos que esta seria uma forma de estimular outros a seguirem os seus sonhos e a expressarem a criatividade de forma livre. Ele está aberto a toda a gente, todos os pianistas anónimos, virtuosos, amadores, curiosos, quem seja”, afirma João Carreira.
Hallisson Lima, instrumentista, já toca piano há 20 anos. Para o artista, esta iniciativa é “verdadeiramente incrível” porque junta pessoas e ajuda a combater a “solidão e a tristeza” que muitos sentem.
“É muito mais do que só ouvir música. Através de algo que não se utiliza palavras, só sons, muitas pessoas podem aproximar-se, até de nacionalidades diferentes, e criar um ciclo de amizade.”
O pequeno Pedro Rodrigues só tem 11 anos, mas já toca há seis. Foi com a professora de música conhecer o novo piano da Trindade e nem a vergonha o impediu de mostrar os seus dotes a quem ali passava.
“Eu gostei desta ideia. Gosto de tocar assim para as pessoas, apesar de ter um bocadinho de vergonha. É uma boa ideia o piano ser público, assim quem quiser pode vir aqui tocar”, confessa Pedro.
Do lado da plateia, Rosália Ribeiro acompanha atenta e sorridente. Estava “a ir para outro sítio”, mas a curiosidade fê-la parar. À Renascença, Rosália admite que a iniciativa é “espetacular” e que “nunca tinha visto nada assim”.
A preocupação agora é se o piano vai ser estimado pelo público, e a espectadora quer “acreditar que sim”.
“Acho que não há maldade tanta para dar cabo de uma coisa desta natureza”, afirma Rosália Ribeiro.
Esta iniciativa teve uma primeira experiência na estação de metro de Entrecampos, em Lisboa, com um piano disponível desde novembro do ano passado. O CEO da Critical Software está “verdadeiramente surpreendido” com a adesão que o instrumento tem tido.
“O piano de Entrecampos é absolutamente extraordinário. Passam-se muito poucos instantes em que não está ninguém lá sentado. É impressionante. Antes de inaugurarmos o piano, não tinha noção de que havia tanta gente a tocar piano no país, em Lisboa, naquela estação”, revela João Carreira.
Para o presidente do conselho de administração da Metro do Porto, Tiago Braga, o novo piano “alinha-se com os valores” da empresa, por isso bastou “ouvir o termo comunidade e a decisão ficou tomada”.
“Eu espero que os clientes possam usufruir deste instrumento que tem um duplo significado: é um instrumento musical, mas é um instrumento de coesão social. É um instrumento de criação de comunidade”, refere o responsável à Renascença.
No que toca à logística da utilização do piano, a Metro do Porto quer ser o mais “livre” possível. “Se tiver aqui um segurança parece que, de alguma forma, estamos a limitar esse aspeto da criatividade das pessoas. A estação já tem a segurança e os meios de vigilância suficientes para fazer a gestão deste espaço”, garante Tiago Braga.
No entanto, Tiago Braga destaca que tem de existir civismo no uso do instrumento. “O piano é de todos, não pode ser de uma pessoa em concreto. Tem de ser uma utilização que se perceba que faz parte da tal comunidade. A comunidade envolve que haja partilha.”
O presidente da Metro do Porto quer que a plateia “goste tanto do piano” como ele, e que, se “tal como" ele "forem incompetentes a tocar”, sejam “competentes a usufruir”.
“Espero que parem para ouvir, que batam palmas, que se desafiem, que se exponham. Há pessoas que sabem tocar, mas têm receio de tocar para o público. Aqui, é um público diferente, vai mudando constantemente e vai nesta azáfama de passagem entre linhas diferentes, entre pessoas que vêm de cidades diferentes. Espero que se encontrem aqui, seja cinco minutos, para ouvirem uma música e seguirem a sua viagem.”
O novo piano portuense da estação de Metro da Trindade foi instalado na quarta-feira e vai estar disponível por tempo indefinido. Pode acompanhar a livestream contínua dos pianos da Trindade e Entrecampos pelo YouTube.