09 abr, 2024 - 14:50 • Maria João Costa
Nascido em democracia, o realizador Rui Pedro Sousa percebeu que não sabia tudo sobre a Revolução do 25 de Abril de 1974 quando leu uma notícia de jornal que falava dos portugueses que morreram à porta da PIDE, há 50 anos. Isso motivou-o a procurar mais e a realizar o filme “Revolução (sem) Sangue” que chega aos cinemas quinta-feira.
Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, o cineasta recorda que a notícia dizia que a “revolução não tinha sido assim tão branda”. “Só aos 35 anos, eu, sendo do Norte, é que me apercebi que cinco pessoas tinham morrido, em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974 e pensei para mim, fogo, nunca ninguém me tinha contado isto na escola”.
A curiosidade levou-o a cruzar-se com o livro do jornalista da Renascença, Fábio Monteiro, “Esquecidos em Abril” (ed Livro Horizonte) que relata as vidas de Fernando Giesteira, João Arruda, Fernando Reis e José Barneto que foram alvejados pela PIDE, na Rua António Maria Cardoso e António Lage, funcionário da PIDE que foi baleado por um militar.
“Todos os anos, a política, sempre que celebra o 25 de Abril, não fala dessas cinco pessoas que perderam a vida”, aponta Rui Pedro Sousa que a partir do livro de Fábio Monteiro conseguiu “chegar aos familiares para perceber quem eram estas pessoas”, vítimas da Revolução.
Nesse sentido, Rui Pedro Sousa explica que o título do filme “é irónico”, porque o “sem” surge “rasurado como se estivéssemos a fazer censura à expressão ‘sem’ sangue”. Embora reconheça que a Revolução dos Cravos foi “pacífica” quando comparada com outras revoluções, noutros países, o realizador quis mostrar o 25 de Abril “tal como aconteceu, de maneira diferente e da perspetiva destas cinco pessoas”.
Na construção do argumento, Rui Pedro Sousa optou por acompanhar a vida destes cinco portugueses desde o dia 23 de abril, até ao momento em que as balas puseram termo às suas vidas.
A câmara está atrás da “barricada”, diz o realizador. “É uma perspetiva diferente sobre a nossa Revolução. Gostamos de lhe chamar a perspetiva do povo. Os protagonistas chegam a estar no Carmo, mas o Salgueiro Maia está ao longe. A câmara está sempre com estas personagens”, explica Rui Pedro Sousa.
O realizador lembra que o 25 de Abril “foi um dia de celebração para todos, menos para estas famílias”. Com alguns elementos ficcionais, o filme “Revolução (sem) Sangue” tem, contudo, um cuidadoso trabalho de rigor histórico sobre o fio do tempo, teve de resto, os contributos dos historiadores António Araújo e Irene Pimentel.
Rui Pedro Sousa explica que tentam mostrar quem foram estes homens que perderam a vida naquele dia, mas há uma exceção, porque no caso de José Barneto não obtiveram autorização da família para o retratar de forma mais profunda.
Quanto aos atores, o realizador explica que quis usar atores com “caras relativamente desconhecidas”, “porque os que morreram, os verdadeiros são, ainda hoje esquecidos na memória coletiva de um país, estão apagados da história”.
“São novas caras, não muito reconhecíveis do espectador, para espectador, ao os ver como o Fernando Giesteira, João Arruda, Fernando Reis e António Lage, não os associarem a um papel que o ator já tenha feito aqui ou ali”
A nomes como Diogo Fernandes, Helena Caldeira, Lucas Dutra, Manuel Nabais e Rafael Paes, Rui Pedro Sousa juntou “atores com mais peso que sustentam esta malta nova”. “Fomos buscar a São José Correia, a Catarina Avelar, a Catarina Siqueira, o Rui Simões, um Luís Ganito para suportar estes atores novos e para trazer uma carga mais dramática e pesada ao projeto”, explica o realizador.
Questionado sobre como vê a estreia de um filme como este nos 50 anos do 25 de Abril, ele que nasceu já em democracia, Rui Pedro Sousa começa por dizer que a sua geração toma a liberdade como garantida.
“Apercebi-me que, se calhar, não sabia assim tanto sobre o 25 de Abril, porque hoje tomamos tão de garantia todas as liberdades que temos e, ainda assim, queixamo-nos tanto delas”, indica Rui Pedro Sousa.
“O choque que tivemos logo foi perceber que, se calhar, na escola é um pouco romantizado e embelezado” a história que é contada sobre a Revolução dos Cravos. “Não tendo vivido essa época acho que é engraçado este filme poder trazer aos jovens de hoje uma perspetiva de ‘olhem estejam atentos, porque houve uma certa altura, antes de 1974 em que vivemos nisto’ refere o cineasta.
Aos mais novos, Rui Pedro Sousa quer lembrar: “Já houve jovens a juntaram-se para lutar por uma liberdade que hoje é tua por direito. Aproveita a liberdade que tens e, se calhar, prepara-te para um dia teres que te juntar de novo para lutar por uma liberdade semelhante”.
O filme “Revolução sem Sangue” que chega quinta-feira às salas de cinema tem o apoio da Renascença.