07 mai, 2024 - 07:00 • Daniela Espírito Santo
Um jovem português de 17 anos foi detido no norte do país porque terá ordenado massacres em escolas no Brasil — um caso incomum no país, mas que não será caso isolado, asseveram os especialistas. E avisam que podemos esperar mais casos como estes no futuro, à medida que os jovens vão tendo acesso a aparelhos com internet cada vez mais cedo — se não apostarmos na literacia digital desde tenra idade.
O caso português não surpreendeu Julia Davidson, diretora do Institute for Connected Communities e uma das maiores especialistas do Reino Unido em cibercrime. À Renascença, a professora de cibercriminologia assegura que há "jovens a cometerem crimes muito sérios online, de que ninguém suspeita até as consequências verem a luz do dia".
"Realizamos um enorme estudo sobre comportamentos de cibercrime entre jovens em oito países da União Europeia e descobrimos que uma boa parte destes jovens cometiam cibercrimes muito graves, incluindo, por exemplo, 'hacking', abuso baseado em imagem, crimes de ódio e outras formas de abusos", adianta, à margem da II Conferência Internacional de Promoção do Bem-Estar Digital, que decorreu este fim de semana no Porto.
No estudo — a publicar brevemente — foram entrevistados jovens condenados por cibercrimes. A professora de criminologia Ruby Farr também participou dos trabalhos e adianta que "o uso excessivo e não controlado da internet, especialmente nas idades mais jovens, pode conduzir a uma escalada comportamental em diferentes tipos de crimes".
Ruby salienta, igualmente, que este tipo de casos mostra "o alcance" que a internet traz na capacidade de "perpetrar diferentes tipos de crimes" e servir jovens que queiram explorar "diferentes caminhos desviantes". Ou seja, a Internet fornece a todos — e "não só aos jovens" — uma "oportunidade de se comportarem de maneiras que talvez não se comportassem no que chamamos de mundo real", por receio de "repercussões e estigmatização de comportamentos".
"Crimes de ódio e 'stalking' não são coisas que as pessoas necessariamente fariam no mundo real, mas talvez testem esses comportamentos de forma anónima online e isso é perigoso". A especialista alicerça esta ideia em "várias perspetivas teóricas da criminologia", algo que só se exacerba por ser mais fácil encontrar online "uma comunidade" e criar ligações "com pessoas que pensam da mesma maneira", conseguindo "ter um alcance maior".
Mas podemos impedir tal cenário? Julia Davidson acredita que a chave será sempre a mesma: "prevenção", mas que isso implica várias soluções.
"A prevenção é absolutamente fundamental e deve assumir várias formas. Por exemplo, temos de garantir que a sensibilização educativa dos jovens começa numa idade muito jovem", refere, revelando que um estudo recente no Reino Unido indica que 25% das crianças com quatro a cinco anos já têm um tablet.
"Sabemos que as crianças estão a usar a Internet desde pequeninas, pelo que temos de começar a educá-las para estas problemáticas ainda mais cedo", defende.
A responsabilidade não passa, no entanto, só por aí: também tem de passar pela indústria, que tem de assegurar "segurança desde a conceção" das diferentes plataformas que são usadas pelo público. No fundo, a segurança tem de fazer parte do "design original de todos os produtos", para garantir que criamos plataformas "mais robustas" no que diz respeito à prevenção.
Nesse sentido, também os "quadros legislativos" precisam de ser mais robustos, para garantir "punição eficaz" a quem não respeitar as regras, e que sirvam como "elemento dissuasor".
Os esforços, entendem as especialistas, precisam de ser internacionais, como este caso demonstra.
"O cibercrime é global e não tem fronteiras. Muitas vezes temos a dificuldade de certos comportamentos serem considerados crime num país e não noutro... Como policiar nestes casos? Como legislar? Precisamos de uma resposta global", defende.
A maior prevenção, no entanto, tem de ser feita em casa: "O que descobrimos com as entrevistas que fizemos a muitos cibercriminosos é que há muitos jovens online que não são escrutinados", assegura Julia Davidson, defendendo que é preciso sensibilizar pais e educadores para ensinarem os jovens a não terem "comportamentos de risco e perigosos online".