26 set, 2024 - 13:22 • Maria João Costa
“O esquecimento não é possível nesta época em que tudo está registado”, escreve David Machado no seu novo romance “Os Dias do Ruído” (ed. Dom Quixote). O livro conta a história de Laura, uma repórter de guerra portuguesa que, por um acaso, evita um atentado em Paris matando o terrorista.
O caso gerou um livro e deu fama a Laura que vive em digressão pelo mundo a apresentá-lo. Ela é uma estrela dos tempos modernos cuja vida é difundida pelas redes sociais de onde lhe chegam ecos quer de admiração, quer de ameaça.
O seu quinto romance, explica o autor em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, nasceu de uma premissa. David Machado diz que queria “escrever a história de uma mulher que mata um terrorista e se torna famosa por isso”.
“Gostei muito desta ideia de haver uma confusão entre o conceito de heroína e o conceito de famoso. Ela é famosa porque é uma heroína ou torna-se uma heroína, simplesmente porque é famosa? Isto tem tudo que ver com a forma como as pessoas se apresentam hoje no mundo. Através das redes sociais, as pessoas manipulam a sua própria imagem e a sua personalidade”, explica o autor.
Laura vive num mundo que David Machado descreve nas páginas do romance como “uma enorme caixa de ressonância”. Com o passar dos dias, há nesta mulher um cansaço com o tal ruído do mundo globalizado e é em Portugal que encontra refúgio.
“Viver custa”, diz Laura que encontra em Peniche, na casa dos pais, o esconderijo. “Ela vai se recolher em casa dos pais, mas, por causa da história toda da sua infância, ela ainda carrega algum trauma por causa disso. Custa especialmente enfrentar essa realidade, mas ainda assim é talvez o melhor sítio que ela encontra para conseguir o silêncio para poder pensar e refletir sobre tudo”, explica David Machado.
O autor - que no passado já editou outros livros com um pé na contemporaneidade como “Debaixo da Pele” ou “Índice Médio de Felicidade” com que venceu o Prémio da União Europeia para a Literatura, em 2015 - conta que a ideia para este seu mais recente romance nasceu na sua cabeça há já sete anos.
“Nos últimos anos, toda esta ideia de fama se intensificou muito através das redes sociais. As redes sociais são cada vez mais vorazes nesse arrastar das pessoas para uma fama que é muito supérflua e muito vazia. As redes sociais estão sempre presentes, mas a mim interessava-me sobretudo não pensar nisto de uma forma global, mas de uma forma interior de um ser humano. Como é que um ser humano vive estas questões?”, interroga-se o autor.
Ao Ensaio Geral da Renascença, dias antes do lançamento de “Os Dias do Ruído” - que acontecerá a 10 de outubro na Cinemateca Portuguesa, David Machado explica: “Nunca tenho muita vontade de fazer tratados de sociologia, embora depois alguns dos meus romances possam ser analisados dessa forma. A mim interessa-me sempre mais psicologicamente como é que uma pessoa convive com estes fenómenos mais globais”.
Ao regressar a casa dos pais, em Peniche, Laura confronta-se com o passado, com um pai com uma vida marginal, uma infância marcada por violência sobretudo psicológica e com uma mãe à beira da morte. Uma realidade cheia de traumas, onde o ruído das redes sociais parece acalmar, mas onde o ruido interior da personagem a leva a outra etapa.