Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Entrevista Margarida Gil

“É preciso que o público não tenha preconceitos e vá ver filmes portugueses”

03 out, 2024 - 14:21 • Maria João Costa

Estreia hoje Mãos no Fogo, o novo filme de Margarida Gil. Rodado num solar do Douro, este é um filme que cheio de segredos por desvendar e que conta a história de uma jovem realizadora que está a fazer um documentário

A+ / A-

Margarida Gil pede ao público português que não seja “preguiçoso”, que não fique “agarrado ao ecrã de casa”, e vá às salas ver cinema português. A realizadora está a estrear uma nova longa-metragem.

Mãos no Fogo é um filme que conta a história de Maria do Mar, uma jovem realizadora, na qual Margarida Gil se revê, que está a rodar um documentário num solar do Douro onde encontra um mundo de segredos.

Protagonizado por Carolina Campanela, o filme conta com a participação de atores como Elgar do Rosário, Ricardo Aibéo e Rita Durão. Em destaque no filme surge a cozinha do solar, a mesma onde Maria de Lurdes Modesto fotografou para o livro da Cozinha Tradicional Portuguesa.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, a realizadora diz que continua a ser “muitíssimo” difícil fazer cinema em Portugal e lamenta que muitos que sonham realizar desistam.

Mãos no Fogo é um filme profundamente português, rodado num solar do Douro e onde filma como uma pintora pinta uma tela. Que história guarda este filme?

Só posso dizer que é um segredo! Seria faltar à verdade do filme se fosse desvendá-lo. Aliás, há muitos segredos naquela casa. Há segredos culinários, há segredos morais, há segredos de comportamento, há segredos de afeto. Esse é o motor do filme. É desvendar os segredos quando é possível desvendá-los.

É um filme que tem uma adaptação muito livre da obra "A Volta no Parafuso" de Henry James, mas que tem ao mesmo tempo essa marca muito portuguesa. Como é que foi esse processo de escrita e de trazer a história para dentro do solar do Douro?

Esse livro de Henry James deve ser dos livros mais adaptados ao cinema que existe na literatura. É tão misterioso tudo aquilo que posso-lhe pegar de todas as maneiras. É, por isso, mais uma adaptação. A minha é tão livre.

É pegar naquilo como uma espécie de mola de arranque, porque me excitou todo aquele mistério. Tudo aquilo que não é dito, toda a liberdade de uma pessoa pensar... E o que é que pensa? Pensa o pior!

É essa parte que acho muito interessante e cinematográfica. O cinema faz medo, aquele livro faz medo, a mim fez-me terror! E isso é a verdadeira mola do cinema, é o medo. Se é que não é a mola da vida.

Na rodagem houve uma grande exigência de imagem, de luz? Como é que foi todo esse trabalho no terreno?

Foi um trabalho muito concentrado. Quando escrevi tinha o filme muito bem preparado, como quase sempre faço, mas depois adapto e mudo praticamente tudo! Adapto-me às coisas, à realidade. Temos que enfrentar a realidade, a luz que existe.

Aquilo é tudo à volta do que é o cinema do real, o que é o real, o que se filma, o que é que se vê, aquilo que não se vê.

No fundo também é um filme sobre o cinema. É uma espécie de ressurreição de antigos modos de fazer o cinema com uma grande ingenuidade e credulidade. A Maria do Mar, a personagem principal, é muito crédula.

Ela vai fazer um documentário acreditando piamente que existe o real. Ora aquilo que ela filma, não é aquilo que ela depois encontra e todo esse processo de desvendar a realidade que é tenebrosa é que é a matéria do filme.

O que eu fiz foi aos poucos, encontrar uma forma de transmitir essas trevas, essa luz, a beleza, aquela zona é de uma beleza estonteante, mas é uma beleza que esconde algo.

A Margarida Gil está de alguma forma no filme? A protagonista, a realizadora Maria do Mar é a Margarida quando começou a sua carreira?

Acho que sim! Acho que ainda sou bastante. Eu sou muitíssimo crédula. Eu sou um bocado como as crianças. Se me dizem uma coisa, eu acredito mesmo. Acho que nunca perdi isso e acho isso bom.

Porquê?

Acho que as pessoas que conseguem manter essa ingenuidade, é precioso. Eu não sou nada cínica, sou o contrário. Essa ingenuidade da Maria do Mar que é o motor que a leva a ir a uma casa, a fazer aquele percurso é, no fundo, o mesmo que tenho feito ao longo da minha vida para fazer cinema.

É esforço, porque dá trabalho, custa, sai-nos do pelo. Se não acreditasse faria outra coisa mais confortável.

Continua a ser difícil fazer cinema em Portugal?

Muitíssimo! Não vale a pena dizerem que antigamente é que era bom, porque não. Antigamente era igual, talvez até fosse pior, mas isso fez com que muita gente sofresse a vida toda, uns com fome, outros com menos fome. Não é invejável.

Agora, alguns, mas muito poucos, têm mais meios, a grande maioria - que aumentou — continua sem possibilidade.

Há tanta gente que adoraria poder fazer cinema e não pode sequer sonhar com isso.

Este seu filme Mãos no Fogo faz uma homenagem muito grande à cozinha tradicional portuguesa. Quis trazer isso para o cinema?

Absolutamente. Tocou num ponto que até agora nunca ninguém tocou. Essa parte para mim é fundamental, é preciosa. É a chama, é talvez aquilo que dá razão ao título. Aquele fogo, o pôr as mãos....

O filme está cheio de mãos, mãos de idade, mãos cansadas, mãos pegam no microfone com frescura, outras que descansam em cima do banco na cozinha. É o trabalho feminino, o trabalho de cozinheira, o tempo que se passa dentro daquela magnífica cozinha é provavelmente a minha memória de infância de grandes cozinheiras da Beira Baixa — a minha mãe, a minha avó e eu tenho uma enorme admiração por isso.

Isso encerra o grande sentido, sobretudo maternal de dar comida aos outros, fazer uma coisa que se sabe que vai dar prazer, causa esforço, mas vai dar prazer. Tenho o maior respeito por isso.

Aquela cozinha é uma cozinha que foi fotografada para o livro da Maria de Lurdes Modesto. Não há coincidências! Aquela cozinha estava ali à minha espera. Acho que faz todo o sentido, a sua pergunta.

O filme chega às salas, já passou por festivais. Já foi distinguido. O que espera que o público lhe diga sobre o filme?

Eu queria que o público fosse menos preguiçoso e fosse às salas. Acho que vai gostar. O filme tem passado muito bem para as mais variadas pessoas.

Acho que tem uma verdade, um prazer e uma vitalidade. Foi assim que eu o senti, e a equipa toda trabalhou nesse sentido, houve algo de muito vital em toda a gente em fazer o filme e penso que isso vai passar para o público.

É preciso que o público não tenha preconceitos, vá ver filmes portugueses e não seja preguiçoso, não fique sempre agarrado ao ecrã em casa, por favor. Façam alguma coisinha, já que isto nos dá tanto trabalho e é tão bonito.

Apesar de todas as dificuldades que a fazer cinema, a Margarida Gil vai querer continuar a filmar?

Claro que sim, nem me passaria pela cabeça deixar! Enquanto tiver saúde, ideias e vitalidade suficiente, sim, porque dispense-se de um grande esforço mental e físico para fazer filmes. Depois há todo o processo de encontrar financiamento, demora anos. Cada vez tenho menos anos de vida para isso, mas enquanto tiver força para isso, claro que sim.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Marília Sousa
    04 out, 2024 Queluz 11:05
    Oiço mal. A dicção, da maioria dos actores, é má. Que tal comecarem a legendar os filmes em língua portuguesa?

Destaques V+