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Entrevista Renascença

João Tordo deixou que um acidente pessoal trocasse as voltas ao livro

21 nov, 2024 - 08:30 • Maria João Costa

“Os Dias Contados” é o novo livro do escritor, em que João Tordo faz regressar a personagem da agente Pilar Benamor. Num livro policial, onde deixa o romance também misturar-se, Tordo explica que houve um caso real que mudou o rumo da história.

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Os leitores pediram, mas João Tordo também queria voltar à personagem de Pilar Benamor dos seus anteriores policiais. Inicialmente, pensou contar a história de uma nova investigação criminal da agente, mas um acidente pessoal trocou-lhe as voltas.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença sobre “Os Dias Contados” (ed Companhia das Letras), o escritor revela que uma viagem à neve com a sua família e um acidente que teve fez-lhe repensar o rumo da história, onde acabou a explorar o passado da vida de Pilar Benamor.

Mas nas páginas de “Os Dias Contados” o leitor vai também conhecer Flores Baltazar, um músico, compositor que, tal como o autor, também sofre um acidente na neve. “É um alter ego” de si, assume João Tordo.

Foi a Pilar Benamor que lhe pediu novamente para que escrevesse a sua história, ou foram os leitores que lhe pediram essa continuação?

Acho que foram as duas coisas. Os leitores têm muito interesse por esta personagem. Graças a Deus, tem sido uma personagem muito querida entre os leitores. E, portanto, as pessoas perguntavam constantemente quando é que ia sair mais um livro.

Eu não me sentia pressionado, mas havia também um lado meu que queria dar muito continuidade à história. E o meu plano inicial era continuar a história para a frente.

Depois, por uma série de circunstâncias pessoais e uma viagem de família que acabou de maneira um bocadinho mais dolorosa para mim, porque fui à neve com toda a minha família e acabei por ter um acidente, e esse acidente levou-me um tempo prolongado de recuperação, percebi que a história devia começar de outra maneira

Se calhar o melhor não era ir para a frente, mas ir para trás.

Em “Os Dias Contados” conhecemos os primeiros tempos da agente Pilar Benamor...

“Os Dias Contados” acaba por ser uma exploração dos primeiros dias da Pilar na força policial. Em relação ao “Águas Passadas”, o livro recua seis anos.

Acho que o mais óbvio teria sido seguir em frente, mas o mais desafiante para mim, enquanto escritor, era ir para trás e compreender quem é esta personagem, e dar uma oportunidade de abrir um bocado as portas ao lado emocional da Pilar, enquanto ainda está fresca na academia e nos seus primeiros dias como agente de giro.

Depois há o seu encontro com outra personagem que surge neste romance, que é um compositor de bandas sonoras de filmes, e o filho dele. São personagens, para mim, muito intrigantes, que nascem dessa experiência na Serra Nevada.

Foi a vida pessoal do escritor a intrometer-se na vida de escritor?

Sim, a vida a intrometer-se está-me sempre a acontecer! Muitos dos meus planos acabam sempre gorados. É muito raro ter um plano para um livro e depois as coisas correrem como eu achava que iam correr, é sempre diferente.

Neste caso foi mesmo radicalmente diferente, porque ao fim de alguns dias, de braço ao peito, depois do acidente na neve, pensei, tudo aquilo que eu achava que ia escrever, afinal não faz muito sentido.

Eu queria usar esta experiência de confronto com qualquer coisa que é assustadora. Uma pessoa que está no cimo de uma montanha coberta de neve, sozinha, e o desconhecido é sempre uma experiência do poder da natureza contra nós.

E houve uma necessidade de ajuste com o passado da história de Pilar Benamor?

Sim, era muito interessante para mim olhar para o passado da Pilar com mais acutilância. No “Águas Passadas” sabemos que o pai dela morreu durante o cumprimento do serviço, mas não temos muitos pormenores e era importante para mim perceber de onde é que vem esta rapariga.

Porque é que ela é como é? O que é que a levou a estes estados de, por vezes, paralisia emocional, noutros de intensidade sexual e quase desgoverno? Como é que uma pessoa destas, com estas características, pode ainda ser uma agente da lei e da justiça?

Para mim era muito interessante observar o passado dela para poder melhor, agora, doravante, compreender, ou ter um futuro mais sólido.

Quem é o Flores Baltazar? É um compositor que vive um certo “impulso destrutivo”, como escreve no livro?

Ele é uma espécie de alter ego meu, embora eu não tenha tantas características destrutivas como o Flores Baltazar.

É um homem muito inconformado com a realidade, que tem características muito particulares. É alguém que embirra com as coisas e que tem pequenos bichos que estão constantemente a atormentar. Os vizinhos, os outros, a mulher, enfim...

Qualquer ruído?

Sim, qualquer ruído, porque ele sofre de misofonia. E o contraponto ao Flores Baltazar é o seu filho, o Dylan, que é um menino extremamente sensível, extremamente empático e que tem um ouvido absoluto.

Sendo que o pai é compositor, essas coisas podem acontecer, mas com mais facilidade. E eu queria que o Flores Baltazar fosse um bocadinho um alter ego meu no sentido de tentar ter um lado romanesco dentro de um policial, que é uma coisa difícil de conseguir.

Nesse sentido, este livro é um romance e ao mesmo tempo um policial?

Normalmente os policiais que eu leio, e até no “Águas Passadas” e no “Cem Anos de Perdão”, são muito mais objetivos na sua estrutura e no método que fui utilizando para os escrever.

Neste livro eu quis regressar um bocadinho “À Noite em que o Verão Acabou”, se calhar, em que há uma espécie de romance disfarçado de policial ou policial disfarçado de romance.

As primeiras 100 páginas, ou 120 páginas, são a história do Flores Baltazar e da sua família, do Dylan e da sua mulher, depois do acidente na neve, que tem contornos trágicos ou cómicos.

A Pilar aparece ali no meio dessa história e de repente, ao fim da página 120, acontece um homicídio, invulgar, involuntário e quase absurdo, e a Pilar entra na história desta maneira.

Eu acho que era uma maneira muito engraçada de unir aquilo que eu acho que são os meus dois mundos, o mundo do romance literário e o mundo do thriller e do policial. Gosto desta mistura, porque acho que, para mim, é desafiante escrever desta maneira, não me cingir só a um género, e misturar as duas coisas e ver o que resulta.

Eu não costumo oscilar tanto entre os géneros, costumo separá-los mais, de certa maneira. Até os livros têm capas diferentes, têm grafias diferentes, conforme eu vou escrevendo um romance mais literário, por assim dizer, que é uma palavra esquisita, ou um policial.

Neste caso eu quis mesmo juntar os dois géneros e, em última análise, gostava que no futuro os géneros fossem fluídos, que eu não tivesse necessariamente que estar a escrever um policial, com a ideia de que estou a escrever um policial, mas poder fazer as duas coisas numa só.

O que mais me interessa, enquanto romancista, é não ter essas fronteiras, não ter muito essas barreiras, e poder brincar, e poder divertir-me, achando que estou a escrever um romance muito literário, e depois descobri que afinal estou a escrever um policial, ou vice-versa.

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