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Dança

Dançar para sarar as feridas. Quem são os vencedores do Prémio Salavisa?

27 nov, 2024 - 22:00 • Maria João Costa

A ruandesa Dorothée Munyaneza e o moçambicano Ídio Chichava vão dividir o prémio da primeira edição do “Salavisa European Dance Award”. Foram escolhidos entre cinco finalistas deste prémio criado pela Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com seis instituições europeias.

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São ambos jovens, mas têm a memória marcada pelo passado de dois países africanos, um em atual convulsão social, outro marcado pela ferida de um genocídio. A ruandesa Dorothée Munyaneza e o moçambicano Ídio Chichava são os vencedores da primeira edição do “Salavisa European Dance Award”. Os seus nomes foram escolhidos entre cinco finalistas do prémio criado pela Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com seis instituições europeias.

Os dois artistas foram selecionados por três especialistas independentes: Mette Ingvartsen, Nayse López e Fu Kuen Tang. Agora vão dividir um prémio no valor de 150 mil euros

Além do valor pecuniário, os dois bailarinos terão a oportunidade de mostrar o seu trabalho artístico nos palcos das instituições culturais parceiras, o ImPulsTanz – Vienna International Dance Festival (Áustria), KVS (Bélgica), Dansehallerne (Dinamarca), Maison de la Danse/Biennale de la Danse (França), Joint Adventures (Alemanha), e Sadler’s Wells (Reino Unido).

Na cerimónia de atribuição do prémio, esta quarta-feira, na Gulbenkian, em Lisboa, o júri referiu que Dorothée Munyaneza e Ídio Chichava destacam-se “pelas suas abordagens artísticas particularmente bem-sucedidas nos seus trabalhos recentes, bem como pela profunda ligação que mantêm com os seus contextos artísticos, comunidades e colaboradores”.

Segundo o júri, as obras destes artistas “estão enraizadas não apenas em interesses artísticos pessoais, mas também numa compreensão complexa do mundo que os rodeia e do papel crucial que a dança pode desempenhar em discussões sociais mais amplas”.

“Ainda vivo” pelas vítimas do genocídio no Ruanda

Dorothée Munyaneza não é só bailarina. Vem a cantar quando chega para a entrevista. Diz-nos que é uma artista multifacetada. Além da música e da dança, esta ruandesa é também atriz, escritora e coreógrafa.

Em entrevista à Renascença, na Gulbenkian, explica-nos que estudou em Londres e que, em 2013, fundou a sua companhia, a Kadidi. O júri do prémio sublinha a forma como a coreógrafa articula “história, trauma, mas também amor e esperança”.

Sobre o prémio, Dorothée mostra-se agradecida. “Celebro esta conquista. Agradeço este reconhecimento. Sei que de alguma forma irá inspirar outras gerações, os mais novos, aqueles que ainda continuam a lutar e a dizer, vamos em frente! Vamos continuar a acreditar que aquilo que fazemos, faz realmente a diferença”.

Questionada sobre o poder da arte, esta ruandesa cuja família deixou o Ruanda rumo a Londres, numa viagem já programada antes do genocídio, mas que acabou por acontecer apenas depois do trágico acontecimento, diz-nos que a arte ajuda a lidar com o passado.

Sei que a arte tem o poder para sarar algo e dizer, eu ainda estou aqui, eu ainda respiro. E sim, para aqueles que perdi no genocídio contra os Tutsis em 1994, eu sei que ainda vivo por eles!

O prémio que é um “grito” face à situação em Moçambique

Ídio Chichava é bailarino, coreógrafo e diretor artístico da companhia de dança Converge+, em Moçambique. Diz à Renascença que a sua escola foram “as danças tradicionais” que explica, foram a sua “ferramenta primeira para começar a questionar e encontrar novos vocabulários para o corpo”.

De chapéu colorido que contrasta com a camisa preta que veste, este artista diz-nos que está de “luto”, depois de visto esta manhã nas redes sociais as imagens que chegam dos protestos em Moçambique.

Idio que diz que para si a dança é um “lugar da honestidade e da sensibilidade”, mostra-se chocado com o que o seu país vive. Nas suas palavras há um “silenciamento” e o “assassínio da vontade de expressar” com liberdade.

“Eu vivo e respiro, porque necessito me expressar. E isso em Moçambique está cada vez mais a ser enterrado. Hoje abri a minha rede social e vi um carro da polícia atropelar alguém, sem piedade. Então, isso não está bom. Não está bom porque o regime moçambique virou totalitário. Essa não é a sensibilidade com que o povo moçambicano quer ser dirigido”.

Revoltado, Ídio Chichava afirma: “A única coisa que me vem à cabeça é dizer, basta! Fazer um grito de socorro para que essas violações dos direitos humanos e do direito à expressão terminem. Não dá mais

Sente que em Lisboa pode falar com “liberdade” e mostra esperança de que a sua voz vencedora agora deste prémio seja ouvida em Moçambique.

O coreografo que tem desenvolvido o ensino gratuito da dança, junto das comunidades moçambicanas considera que o prémio Salavisa vem “abrir janelas”.

“Ganhar este prémio é confirmar todas as convicções que tenho com relação à potencialidade criativa de Moçambique, da África e do mundo. Para mim, além de ser uma grande honra fazer parte deste ecossistema internacional da dança, ganhar este prémio vai confirmar toda a luta, toda a resiliência que em Moçambique, como artistas, bailarinos e coreógrafos, enfrentamos para poder acordar todos os dias e dizer que eu sou um profissional da dança”.

Para o Júri, o trabalho de Ídio “é uma afirmação poderosa da energia coletiva e do desejo de criar e coexistir.” Sobre o seu trabalho, este artista diz-nos que “está muito centrado no questionamento da tradição e como a inserir e enquadrar neste mundo contemporâneo”.

“A arte ainda pode. Por mais que tentem nos silenciar, por mais que nos tentem prender, nós ainda temos, de certa forma, a liberdade de falar fora de Moçambique, para Moçambique”, sublinha em Lisboa.

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